Há cerca de dez anos decidi tornar público meu relato sobre a depressão e a síndrome do pânico, doenças das quais fui vítima muitos anos atrás (duas décadas, talvez). À época, escrevi na tentativa de ajudar uma amiga que estava sofrendo o mesmo que sofri. 

Queria puxá-la em um canto para contar minha “descoberta”: o “demônio do meio-dia” tem tratamento. É como disse o escritor Andrew Solomon, nesse seu tratado visceral sobre a depressão: “Não vai ser sempre assim. É assim neste momento, mas não vai ser sempre assim”.

As palavras que eu diria em um sussurro se transformaram em grito e foram ouvidas por muita gente. Que bom! 

Hoje, quando sinto o medo ou a tristeza à espreita (ou já jogados em meu peito), repito: Não vai ser sempre assim, não vai ser sempre assim, não vai ser sempre assim... 

Segue, abaixo e na íntegra, o texto publicado originalmente no site Alagoas24horas, dez “Setembros Amarelos” atrás:

Sobre as doenças da alma

Há vários anos tive síndrome do pânico. Na época, quando a doença ainda não era muito conhecida, passei por uma verdadeira peregrinação em especialistas médicos. Foi uma verdadeira ‘via-crúcis’ em busca de um diagnóstico – a certa altura, estava tão desesperada em não saber o que se passava comigo, que preferia até ouvir o pior a não ouvir nada.

Pelo menos no meu caso, posso resumir a síndrome do pânico em uma sensação, entre tantas outras terríveis: a de morte iminente. Imagine-se acordando daquele pesadelo onde está caindo de uma enorme altura, levando um tiro ou se afogando... A sensação é parecida com essa, exceto pelo ‘alívio’ de acordar. A síndrome do pânico é uma espécie de ‘antessala’ do inferno. É horrível, mas o que vem a seguir parece ser sempre pior.

Taquicardia, falta de ar e de apetite, choro fácil e, como o próprio nome diz, pânico. De nada específico e de tudo ao redor: pânico de morrer antes de chegar ao hospital, pânico de existir, de tomar banho, de comer, de sair de casa... Pânico do real e do imaginário. Do máximo e do mínimo.

Durante os poucos meses (pareceram uma eternidade, é claro!) em que não fui diagnosticada, mas descartaram todas as possibilidades clínicas, a tristeza de não entender o que se passava comigo me paralisou e tive depressão.

Magérrima e debilitada física e emocionalmente, uma noite telefonei para a minha avó paterna, a figura que sempre foi meu porto seguro, mas quem atendeu foi uma tia médica. Costumo dizer, desde então, que ela (também) salvou a minha vida. No telefone, enquanto me perguntava o que estava acontecendo, eu só conseguia chorar e repetir que ia morrer. Pior: ia morrer sem saber o que tinha me matado, já que nenhum médico descobria a minha ‘doença terminal’.

Minha tia me levou à casa dela, conseguiu que eu tomasse água (neste momento, até isso era difícil para mim) e um calmante. Explicou que, pelo conjunto de sintomas, eu estava em depressão. Fiquei surpresa e, na hora, pensei: deprimida? Logo eu que sempre fui tão bem-humorada? Estava terminando a faculdade de jornalismo, a profissão que sempre quis e, aparentemente, nada ia mal na minha vida.

Nesse dia, dormi pela primeira vez uma noite inteira, em muito tempo. E, no dia seguinte, o diagnóstico da síndrome do pânico que evoluiu para uma depressão – ou vice-versa - foi confirmado por uma clínica geral, que me encaminhou a um psiquiatra. Esse, aliás, foi um novo desafio: vencer o preconceito em torno dessa especialidade da medicina afinal, eu não era ‘louca’. Mas, a essa altura, o meu desespero era tanto que nem pensei nisso.

Ele, o meu psiquiatra, foi a pessoa que salvou pela segunda vez a minha vida. Explicou tudo o que eu ainda não sabia sobre as ‘doenças da alma’ e até desenhou – literalmente – para que eu entendesse melhor, as diferenças entre o cérebro de uma pessoa sã e uma deprimida. Descobri, com ele, que as doenças da alma, causadas por um desequilíbrio na produção de substâncias no cérebro, eram tão físicas e reais quanto qualquer outra.

Desfez-se o mito em torno das frases que tantas vezes ouvi: “Isso é coisa da sua cabeça” ... “Vai a um cinema... Se distrai que passa”. Sim, a síndrome do pânico e a depressão eram coisas da minha cabeça, mas não da forma como muita gente pensava. A cura não estava em minhas mãos, nem está nas mãos, nem na mente de ninguém que sofra desse mal. É injusto, cruel ou simplesmente, desconhecimento total de causa colocar a solução do problema nas mãos de quem está sofrendo.

Após poucos dias de tratamento com antidepressivo e de meses de terapia, posso dizer que renasci. Voltei a me alimentar, a estudar e trabalhar – cheguei a perder o período na faculdade e o estágio devido à doença -, a sair e a sentir prazer nas atividades diárias. O medo também se foi e, junto com ele, a falta de ar, a taquicardia...

Desde então já se vão uns dez anos. Confesso que tive algumas recaídas, mas, nunca, nenhuma, comparada à primeira crise que descrevi aqui, quando sequer sabia o que estava vivendo. Andrew Solomon, o autor do livro ‘O demônio do meio-dia’, um tratado sobre a depressão, disse durante uma entrevista que, para quem já teve, a depressão está sempre à espreita.

Eu sei disso. Sei que ela está à espreita e reconheço seus olhos frios e traiçoeiros, mas, depois que você conhece os sintomas e os mecanismos da doença, fica mais fácil cortar o mal pela raiz, antes que ele se alastre. Por isso, não me envergonho de procurar ajuda quando, mais uma vez citando Solomon, “aquela sensação turva impregna a minha alma”.

A depressão tem controle e tem remédio e, muitos precisam desse controle para sempre, assim como qualquer outra doença. Hoje, o meu ‘demônio do meio-dia’ está adormecido. Não tenho medo de ser feliz, nem tenho medo de acordá-lo.

Resolvi escrever esse artigo na tentativa de ajudar os que se reconheceram neste relato e, encerro, citando um depoimento que também consta do livro ao qual me referi. Se você está deprimido hoje, lembre-se: ‘Não vai ser sempre assim. É assim neste momento, mas não vai ser sempre assim’.