Ninguém consegue entender o Orçamento Público Brasileiro

A gestão orçamentária brasileira passou por diversas mudanças nas últimas décadas, numa clara tentativa de se promover a transição da gestão patrimonial e burocrática da administração pública para a gerencial. 

Pode-se citar como exemplo desse movimento a introdução das inovações provenientes da Reforma Gerencial do Orçamento, implantada em 2000, que permitiu, na elaboração do projeto de lei orçamentária, uma melhor incorporação das prioridades de governo, observando as necessidades que precisavam ser supridas. Também a adoção de indicadores de uso para maior detalhamento orçamentário, bem como um plano de contas orçamentário e contábil único e interconectado.

Entretanto, esse processo de melhorias foi sendo minado aos poucos. As previsões de receitas em geral são irreais e absolutamente incompatíveis com a meta de Resultado primário fixada, fruto em parte de um jogo de barganha política. 

Além disso, perdeu-se a capacidade de avaliar os programas. Assim, não se verificam métricas deles, até porque ou elas não existem ou são mal feitas. Da mesma forma, não se analisam os resultados, se são efetivos e se produzem externalidades positivas.

Aliás, nos últimos anos acelerou o processo de captura do orçamento pelo legislativo no âmbito federal. O desvirtuamento do uso de Emendas Orçamentárias no Brasil é absolutamente suis generis, pois este instrumento existe em praticamente todos os países do mundo, entretanto aqui os parlamentares federais tem alterado o orçamento a nível micro, indo no detalhe da despesa pública. Enquanto na grande maioria dos países do mundo as alterações são bem mais genéricas onde o foco é na definição da prioridade. Ou seja, deixam para os técnicos o detalhamento dos programas para que não haja a pulverização de ações sem qualquer tipo de métrica ou conexão com as reais necessidades. 

O que se tem visto é que mais de R$ 40 bilhões do orçamento tem sido destinado pelos parlamentares federais a programas e ações criadas, na sua grande maioria, sem o uso de dados para fundamentar a destinação dos recursos ou mesmo sem os devidos critérios e objetivos com os repasses de recursos na sua maioria a municípios. São mais de 6 mil emendas orçamentárias cerca de 24% do total das despesas não obrigatórias, sendo o Brasil o país com o maior número, muito superior ao 2° país com mais emendas que destina no máximo 0,01% das despesas não obrigatórias. 

A situação é tão crítica que se analisarmos o uso das emendas secretas – RP9 percebe-se claramente diversas incongruências, como por exemplo munícipios recebendo mais recursos de emendas RP9 para custeio da saúde que recursos do SUS ou, como já foi amplamente noticiado, destinação de recursos para escolas implementarem programas de robótica que não possuíam condições básicas de funcionamento. Isso numa análise bem superficial.

Pode-se dizer que a pulverização é ainda maior porque temos emendas absolutamente genéricas que não indicam o munícipio beneficiado. Este tipo de emenda só terá sua execução transparente por ocasião do pagamento dela. O professor Marcos Mendes a classificou de emenda PIX e em recente debate chegou estimar que com essas emendas o número de emendas reais ao orçamento pode chegar a mais de 30 mil. 

Essa situação desvirtua completamente a participação parlamentar na elaboração do orçamento que deveria ser na definição das prioridades quando da aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias e na elaboração de ajustes e aperfeiçoamentos no projeto, mas jamais a captura de boa parte do orçamento para ações paroquias e secretas. 

Esse fato é agravado porque atualmente parlamentar federal não tem qualquer ônus para destinar uma emenda, só tem bônus político. Ele não precisa cortar despesa, como acontece nas esferas estaduais e municipais, pois 2,2% da Receita Corrente Liquida federal é destinada para as emendas dos parlamentares.  Mais uma excrecência de nosso processo orçamentário.

Dessa forma, o orçamento federal nem pode mais a meu ser chamado de orçamento, mas um mero documento legislativo a legitimar um processo esquizofrênico de fixação da despesa pública. Assim, faz-se necessário uma nova lei complementar para substituir a lei n° 4320/64, com conceitos mais modernos e que consiga organizar nosso processo orçamentário o alinhando as práticas mais modernas como as adotadas nos países da OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. 

George Santoro

Luiz Eduardo Santoro