A história de Galileu Galilei é das mais conhecidas dentre aquelas que mostram o quanto o avanço do conhecimento humano - assim como a verdadeira arte - provoca a fúria e a violência por parte dos pregadores da ignorância, infelizmente tão atuais e ruidosos.
Apontado como o pai da astronomia moderna, Galilei caiu nas garras da Inquisição, no século XVI, e só não foi parar na fogueira porque “confessou” sua heresia, ante os julgadores prenhes de certezas e vazios de compaixão e conhecimento.
O que o cientista defendia?
O heliocentrismo: que a Terra gira em volta do Sol, sendo este o centro da nossa galáxia, o que ele pôde comprovar com sua luneta (um pequeno telescópio criado pelo próprio). O engenheiro florentino já apontava na direção contrária a tantos militantes virtuais da ignorância contemporânea adquirida de hoje, por acreditar que o nosso planeta, pequeno e distinto, é redondo – feito uma laranja, como se sabe.
Condenado ao silêncio e à prisão domiciliar, deixou como legado de resistência a frase atribuída a ele, escrita e repetida na melhor literatura sobre o tema no mundo: Eppur se muove (“E, no entanto, ela se move”), numa referência ao movimento da Terra em relação ao Sol - que fique posto.
O biólogo e polemista Richard Dawkins já disse que o problema não é a religião, “mas a ignorância”, atrevida, intolerante e, quase sempre, perversa.
Alguns séculos depois, esta prima/irmã da estupidez continuou a produzir mortes e mártires, imaginando que o futuro seria sempre igual ao passado. No delicioso 10% Humano (que traz um relato detalhado sobre a origem e história das vacinas), a bióloga inglesa Alanna Collen narra um enredo estarrecedor sobre o jovem médico obstetra húngaro Ignaz Semmelweis, do século XIX.
Ele desconfiou que as altas taxas de mortalidade materna (que chegavam a ultrapassar 30%), nos hospitais de então, não se deviam “a traumas emocionais ou falta de higiene do intestino” – entre outras causas -, como era corrente naquela quadra entre os profissionais de saúde.
Após uma investigação paciente e cuidadosa no Hospital Geral de Viena, onde trabalhava, Semmelweis concluiu que a “febre puerperal”, causadora da maioria das mortes entre as mulheres, era decorrente da infecção provocada pelas mãos dos médicos - principalmente - que faziam os partos. Ainda sem saber exatamente como e por que isso acontecia, ele instituiu uma política de higienização hospitalar que deu resultados imediatos: os médicos passaram a lavar as mãos com hipoclorito de cálcio após a autópsia de cadáveres e antes do atendimento das pacientes (que ocorriam em sequência corriqueira).
Nem os números tão auspiciosos colhidos na experiência foram capazes de convencer os colegas de Semmelweis. Ele foi ignorado e ridicularizado, o que está consignado na frase de um importante obstetra da época: “Os médicos são cavalheiros, e as mãos de um cavalheiro são limpas”. O destino do pesquisador húngaro lhe reservava ainda uma última tragédia: expulso da comunidade médica da Áustria, ele morreu num hospício, onde foi obrigado a beber óleo de rícino, além de ser espancado pelos guardas. Sua morte foi motivada, provavelmente, por uma infecção das feridas abertas na tortura, diz o livro.
Uma pena! Vinte anos depois, o cientista francês Louis Pasteur, também ele repudiado inicialmente pelos seus contemporâneos, desenvolveu e provou a teoria dos germes como causa principal da morte das puérperas.
Fui provocado, na semana que passou, a lembrar desses personagens em razão dos ataques sofridos pela juíza Fátima Pirauá, tão comprometida com seu trabalho, e que foi torpedeada pela ignorância difundida com fúria nas redes sociais - e por defender a vacinação de crianças contra a Covid-19 (o resumo é este).
É claro que a estupidez do Tribunal do Facebook não terá a ousadia de ir tão longe, na sua sentença em favor do negacionismo, quanto foram os inimigos de Semmelweis. Mas os rigorosos "magistrados" das redes nos levam à firme impressão de que a humanidade, de tão repetitiva, parou no tempo.
"E no entanto, ela se move” - para frente, para trás.

Ricardo Mota