O episódio tem bem uns 50 anos, mas, a periculosidade do racismo é uma tatuagem atemporal. Deixou marca indelével na alma da menina preta, que acompanhava a mãe costureira, na escolha de aviamento de costuras em um balcão, na antiquíssima Lojas 4 e 400, no centro da capital Maceió.

A mãe sempre levava uma das filhas, como companhia nas compras. Dessa vez foi a vez dessa ativista-menina,aos 10 anos.

No meio da operação de escolha dos aviamentos, um funcionário abordou a menina acusando-a de ter “roubado” um retrós de linha.

Levada ao quartinho dos fundos da loja foi admoestada a dizer, onde foi que escondeu o produto. A mãe da menina nervosa perdeu a condução da situação.

Depois de um tempo, sem achar o retrós a mãe e a menina foram dispensadas, sem nem mesmo um pedido de desculpas. E a pretinha levou anos trocando de calçada para não passar próximo a loja. O coração em brasa, latejando de ódio. 

Foi uma situação chocante e extremamente vexatória, uma quase execução sumária da autoestima da criança, ainda em formação, mas, a força da espiritualidade acolheu a alma infante, soprou força, aguçou a personalidade e instigou-a a seguir.

Durante os anos que seguiram a menina empurrou a lembrança da ocorrência dantesca, para o subterrâneo da alma. Um mecanismo inconsciente de autoproteção. Para doer, menos.

E , após tantos anos esse é  um texto,  ao mesmo tempo imersivo e catártico, da ativista -adulta que entrou em entendimento com suas dores, mas, que sangra, cada vez que o racismo estrutural, em um tom visceralmente bruto,arrogante  continua a arrastar nosso povo, como massa indiferenciada para o quartinho do castigo, da punição social, dos ambientes desafiadores, tudo, porque a nossa cor da pele nos torna vulneráveis.  

É um silêncio desnudo, após 50 anos. Tipo um strip cármico. 

Sim, ‘o racismo é um camaleão poliglota’, a frase cunhada, nacionalmente, por essa ativista, e que deu título a um livro, continua valendo.

Estamos nós por nós mesm@s…

50 anos depois.