Quem circula pela orla de Maceió já consegue observar o avanço do mar em determinados pontos. Nos últimos anos, o nível das águas nesses locais surgiu como um alerta e motivo de pesquisas entre especialistas. Além disso, gerou preocupação entre comerciantes da região e mobilizou a atuação de órgãos públicos para enfrentamento desse fenômeno.

Ao Cada Minuto, o professor de Oceanografia, Biologia Marinha e Ecologia, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Gabriel Le Campion, explica que os principais fatores para esse avanço são as construções na região litorânea e o desmatamento, que alteram os regimes pluviométricos, aumentam a energia na atmosfera e na superfície do oceano, gerando marés mais fortes.

Ele afirma que tais interferências reduzem a capacidade dos rios de transportar sedimentos para as praias, aumentando o déficit sedimentar. “O efeito é mais agravado pela remoção da vegetação de praia e pelo avanço das construções na faixa de domínio marinho, faixa essa que, normalmente, o mar trabalha. Ora o mar avança, ora o mar recua. Mas devido às interferências antrópicas nessa região o mar pode avançar mais do que recuar”.

Professor de Oceanografia, Biologia Marinha e Ecologia, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Gabriel Le Campion. Foto: Assessoria

Questionado sobre as possíveis consequências para comerciantes e pedestres o professor enfatiza que o avanço da maré, em determinados locais, pode derrubar passarelas, vias de trânsito de automóveis e construções muito próximas da praia, pondo em risco a vida das pessoas.

Com relação às futuras construções na região litorânea, o especialista orienta que, além da necessidade de obras de contenção, devem ser evitados locais próximos à praia, respeitando a faixa de domínio marinho que pode variar entre 100 e 300 metros, dependendo do tipo de praia e da proximidade de rios.

Sobre os prédios já construídos nesses espaços, Gabriel ressalta a importância de obras de contenção, mas que devem ser bem projetadas para não provocar um aumento da demanda de sedimentos e, com isso, levar o resto da praia.

Para Le Campion, o avanço do mar pode se dar de várias formas. “Pode ser pelo subsolo através da diminuição da força do freático, isso ocorre quando se instala muito poços artesianos na região, o que faz com que a Cunha salina avance sob o solo, contaminando as fundações, o lençol e os próprios ossos salinizando. Ou provocando mecanismos erosivos na superfície”.

O professor destaca, ainda, um outro fator. Ele conta que, na região do bairro da Ponta Verde, muitas pessoas estão transitando sobre os recifes, o que é extremamente danoso à biota recifal.

“Isso contribuirá, no futuro, para o aumento da erosão marinha naquela região, visto que os recifes não sofrerão mais acréscimo biológico podendo ser fragilizados e fragmentados. Urge portanto que as autoridades competentes proíbam o trânsito de pessoas sobre o topo recifal urgentemente”, finaliza.

Segundo o coordenador de Gerenciamento Costeiro do Instituto do Meio Ambiente do Estado de Alagoas (IMA/AL), Ricardo César, o fenômeno da erosão em Alagoas é antigo porque o litoral nordestino não tem rios transportando areia para a formação de praias. 

Coordenador de Gerenciamento Costeiro do Instituto do Meio Ambiente do Estado de Alagoas (IMA/AL), Ricardo César. Foto: Ascom IMA

Ele destaca a ocorrência do fenômeno chamado deriva litorânea, que consiste no transporte de sedimentos ao longo da costa. “A erosão já existe há muito tempo. Um dos exemplos que posso citar é o Gogo da Ema que caiu devido a um problema de erosão”, explica. 

Para Ricardo César, os fatores que têm agravado a erosão na capital são a elevação do oceano, a ocupação urbana crescente na zona costeira e as mudanças climáticas que atingem o nível e elevação dos oceanos e mares, gerando mais ventos e tempestades. “É um cenário muito catastrófico para a zona costeira brasileira”, alerta.

O IMA solicitou para as praias da Pajuçara, Ponta Verde e Jatiúca, um Plano de Recuperação de Áreas Degradadas (Prad) específico e de acordo com as necessidades locais. 

No Pontal da Barra, além do Prad, foram solicitados, pelo IMA/AL, projetos de intervenção para conter a erosão marinha, como também um plano de limpeza para retirada de entulhos de obras de contenções anteriores.

O coordenador diz, ainda, que é necessário propor um modelo de ocupação de intenções adaptadas às mudanças climáticas e elevação no nível dos oceanos. Em sua avaliação, as políticas públicas são fundamentais para buscar alternativas de engenharia e de planejamento de ocupação espacial.

Empreendimentos beira mar

O proprietário de uma barraca localizada na orla de Jatiúca, Giovane Almeida, informa que as obras para a contenção do avanço do mar são realizadas de forma paliativa, sem resultados efetivos. “As obras de contenção não atacam o problema. A praia da Pajuçara e Ponta Verde precisam ser desassoreadas, aumentando a faixa de areia”, afirma. 

Restaurante Pedra Virada. Foto: Reprodução

Para Giovane, o poder público tem papel fundamental para realizar obras estruturantes e evitar riscos para as barracas e pedestres do local. “As obras têm que serem feitas pelo poder público porque são muito caras e não temos condições de realizá-las. No máximo poderemos ajudar no nosso espaço”.

Questionado sobre as consequências da erosão marinha, o proprietário pondera que o mar vem avançando por décadas causando prejuízos para os donos de estabelecimentos na orla de Maceió.

“Tenho 28 anos no restaurante Pedra Virada. Já fiz duas intervenções para recuperação do meu espaço, assim como outros também fizeram”.

Giovane reforçou que as irregularidades de cada estabelecimento são de inteira responsabilidade do empresário e que cabe a ele corrigi-las e manter seu negócio de acordo com as normas vigentes.

Erosão afeta turismo de Maceió

De acordo com o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH), André Santos, o avanço do mar na orla de Maceió atinge diretamente o turismo na capital. “Se não houver uma segurança da orla o mar vai invadir e derrubar toda estrutura que nós temos”, diz.

André explica a necessidade de realizar a engorda de praia, prática de alargamento da faixa de areia com obras de aterramento e colocação de areia dragada de outro local. No entanto, existem trechos na capital que não é possível realizar a técnica, sendo necessário outro processo de contenção.  

Presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH), André Santos. Foto: Assessoria

Para o presidente da ABIH, o avanço do mar irá causar dificuldades para estabelecimentos localizados na orla da capital. “Há uma necessidade de proteção. Realmente o avanço irá causar sérios problemas não só para a hotelaria, mas para toda cidade de Maceió”, alerta. 

Ele declara que o assunto já foi debatido e a Prefeitura de Maceió está ciente para tomar as medidas necessárias. Para André, é necessário que a gestão entenda a necessidade e a busca de soluções para o caso.

Medidas de enfrentamento

Em nota enviada à reportagem, a Secretaria Municipal de Infraestrutura (Seminfra) informou que, ainda no primeiro semestre de 2022, dará início às obras de contenção marinha em cinco trechos da orla da Ponta Verde e Jatiúca, com a implantação de sandbags - tecnologia utilizada para proteção costeira e recuperação da praia com erosão marinha. 

O sandbag é um dissipador natural que funciona como contenção do mar, auxiliando no processo natural do alargamento da faixa de areia, resultando na diminuição dos impactos da erosão.

Foto: Marco Antônio/Secom Maceió

A Seminfra destacou, ainda, que outros pontos da orla, que precisam de intervenção, serão mapeados e novos projetos desenvolvidos pelos técnicos da secretaria.

Já a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Territorial e Meio Ambiente (Sedet) anunciou que o projeto Parque das Dunas, que está em fase avançada de estudos, pretende solucionar a carência de áreas públicas de lazer e os efeitos causados pela erosão marinha em parte do acesso da Avenida Assis Chateaubriand, no Pontal da Barra.

*Estagiárias sob supervisão da Editoria