No meio de uma entrega  rotineira, de serviço, como se a palavra estivesse à beira de afogar-se , o entregador me segreda, um tanto desarvorado , sobre o término do  casamento de 20 anos e faz um discurso de autoconsolo ,afirmando  que é o melhor que ambos tem a fazer. Recomeçar em caminhos diferentes.

A conversa se dá no meio da minha cozinha entre a geladeira e o fogão, e o calor de um verão sem freios.

Sinto a aflição do homem e permaneço uma ouvinte atenta, empática,  mesmo, que a testa goteje suores, por conta do calor incessante:-  De uns dois anos (o tempo da pandemia) para cá a coisa piorou- diz ele, com uma expressão, um tanto incrédula.

-Ela se tornou arrogante, julgando coisas e pessoas e, eu, prezo pela humildade. 

Percebo que no fundo, o homem fazia uma retrospectiva emocional buscando encontrar os erros, do casamento que não deu certo.

Uma relação que persiste por 20 anos, não deu certo?- questiono, silenciosa.

Ouço  o homem por mais um tempo, faço perguntas solidárias, se tem filh@s. (Graças a Deus, não) , depois desejo-lhe  boa sorte e, e ele me agradece com “um muito obrigado por me ouvir”, segue mundo afora com a bicicleta cheia de encomendas para serem entregues.

O entregador leva consigo uma tristeza resignada. O casamento de 20 anos acabou.