(Aviso: conteúdo sensível e possivelmente com gatilhos)
É o relato de uma mãe eaxusta e a necessidade que o ESTADO articule, como Politicas Públicas de Saúde, espaços estruturais para a Prevenção e tratamento da saúde mental de crianças e adolescentes.
'Em março de 2020, minha filha, de 12 anos, falou em se matar pela primeira vez.
Desde que ela nasceu que eu sentia que alguma coisa na minha experiência de maternidade não era como tinham me contado. Minha pequena nunca dormiu bem, a primeira noite em que dormiu por mais de 3h seguida, depois do nascimento dela, foi quando ela já tinha 4 anos de idade. Além disso, desde poucos meses de idade, já tinha momentos de total descontrole, que todo mundo me dizia ser normal em bebês e crianças pequenas, mas eu, que já tinha tido muita experiência com bebês e crianças pequenas, percebia que os momentos dela eram bem diferentes do tal "normal".
Minha filha sempre foi irritadiça, mas sempre foi dada a muitos sorrisos e gargalhadas. Nunca foi de se rodear de muitos amigos. Já no parquinho, elegia 2 ou, quando muito 3, e ficava só com eles. Em grupos grandes, sempre se retraia.
Na escola sempre foi aluna exemplar... nota 10... mesmo eu não sendo mãe que exige isso.
Aos 6 recebeu o diagnóstico de altas habilidades.
Aos 8 precisei trocar ela de escola, porque ela não conseguia se enturmar com os colegas e passava quase o tempo todo isolada, com a cara enfiada num livro. Na época achamos que o problema era a escola.
No 7o ano ela começou a ter mil dores de barriga, que, por mais que fosse examinada, resultavam em nada.
E eu, desde sempre, dizendo que tinha alguma coisa diferente nela. Mas, desde sempre, sendo acusada de não saber educar a minha filha, ser permissiva demais, ser rígida demais, estar procurando pelo em ovo etc.
No início do 8o ano, 2 dias depois do retorno às aulas, ela teve uma crise e falou em se matar.
Meu coração se partiu em mil pedaços. Como eu não tinha visto o desespero dela? Que mãe era eu, que não percebeu que minha filha de 12 anos estava deprimida a ponto de querer se matar? E, principalmente, como, eu, psicóloga, não tinha visto os sinais de alerta?
Começamos o tratamento do que achávamos que era depressão. A cada novo remédio, uma crise de agitação, agressões, gritos... Precisei comprar um cofre para guardar os remédios dela, pq, era eu dar uma bobeada e ela pegava remédio para tomar escondida.
Até que uma tarde, depois de uma crise forte, já medicada e "calma", entrei no quarto e não a encontrei. Estava no parapeito externo do prédio. Tinha cortado a tela e saído pela lateral da janela. Cheguei quando ela estava prestes a pular. Não lembro bem como (ainda que lembre de cada segundo daquele momento), consegui puxá-la para dentro de casa de novo. E veio a primeira internação. Mas, nunca mais nossas vidas foram iguais.
Qual é o motivo de eu contar isso aqui? Por ver vários relatos de pessoas que dizem que suas mães e pais não os entende, nem os ama, nem os aceita. E, por ouvir isso da minha filha durante as crises dela.
Eu não sei botar em palavras o que sinto pela minha filha e o que senti quando a vi prestes a pular do 5o andar, mas posso tentar.
O Transtorno Bipolar tirou a minha filha "sonhada" de mim. Desde que começou a dar os primeiros sintomas graves, a 2 anos, que não tenho a mesma filha que eu tinha antes. Ela me culpa, afinal, "herdou" o transtorno de mim (que descobri, nesse meio tempo, que tenho TAB também) e da minha família (minha avó, já falecida tem um bom tempo, era o que, na época, chamavam de "maníaco depressiva). Ela me odeia, pq sou eu quem a leva para a terapia que ela odeia, para a psiquiatra que ela não acha necessária, e que fica do lado dela, contendo-a fisicamente, quando ela tem uma crise e fica agressiva. Ela me chama de monstra, me diz que só quero obrigá-la a fazer coisas que EU desejo, e não as coisas que ela quer.
Desde que começaram os sintomas graves eu me tornei o alvo de todo o ódio contido dela. Mas, ao mesmo tempo, ela não aceita ficar longe de mim nem um minuto.
Desde o início dos sintomas, em março de 2020, minha vida parou. Não tenho mais planos para nada, não posso planejar meu dia seguinte, pq não sei como ela vai acordar. Não posso mais trabalhar, pq preciso estar com ela a qualquer momento. Mesmo quando ela estabiliza, não posso deixá-la sozinha.
Eu não estou me queixando de ter que ficar com ela e de ter tido que parar a minha vida, não faria diferente em hipótese alguma. A ideia de perder minha filha para o suicídio me aterroriza. Ela, junto com o irmão, são tudo para mim e, se tivesse como, eu tirava o transtorno dela e botava em mim, para vê-la bem e feliz.
Mas, não posso fingir que sou santa e, sim, tem momentos em que fico cansada e desanimada. Tem momentos em que quero distância, onde quero ter um dia sem janelas com cadeados, sem ter que ficar só por conta dela. Tem dias que sento e choro pq quero trabalhar, quero poder sair com minhas amigas, quero poder viajar com meu marido (o pai dela), quero poder até sair para dar uma volta e deixá-la em casa com o irmão caçula. Tem dia que não estou disposta a ser xingada, a ser responsabilizada até pela falha na banda larga da internet (sim, qualquer problema ou dificuldade que ela encontra, ela me acusa de ser culpa minha por eu não conseguir resolver). E tem dia que tudo que eu queria era poder dar uma bronca nela sem ficar morrendo de medo de disparar um episódio.
Eu amo minha filha, mais do que tudo no mundo, eu amo a minha filha. Mas, confesso, está difícil, cada dia mais... Confesso que já teve dias que pensei em interná-la só para eu poder dormir sem medo de janelas por uma noite. Confesso que estou cansada de viver na sombra do suicídio. Mas não vou desistir de lutar por ela NUNCA. Os planos mudaram, meus sonhos maternos se adaptam e se adaptarão ao longo da vida e o leão que vier por aí, eu encararei ao lado dela, mesmo que um dia ela decida que eu sou a pior pessoa do mundo e que tudo é minha culpa.
O TAB me ensinou, na marra, que não adianta querermos que nossos filhos sejam o que sonhamos para eles... aceitamos nossos filhos pelo que eles são de fato, e os amamos, profundamente, mesmo assim.
Enfim... é um desabafo de mãe, e só.
Fonte: Internet