Riscos e prêmio de Crédito

Há muitas literatura e metodologias para avaliar risco de crédito de empresas, mas já de entes subnacionais, temos muito poucos indicadores maduros e confiáveis para identificar a sua real situação financeira. O setor público, e em especial, o brasileiro, ainda está em processo de desenvolvimento desse tipo de ferramenta.

E isto fica ainda mais difícil em países desenvolvimento, pois a contabilidade pública em geral fica a reboque das mudanças estruturais e modernizantes por que passam. Assim, pode-se separar a grosso modo os entes subnacionais em três grupos: os que possuem contabilidade absolutamente correta e transparente, os que estão em desenvolvimento de uma padronização e transparência de seus registros contábeis e os que ainda não possuem uma contabilidade estruturada de forma adequada.

O Brasil, felizmente, já se encontra no segundo grupo e, nos últimos 20 anos, vem apresentando um acelerado processo de desenvolvimento de seus registros contábeis. Após padronizar um plano de contas único para todo o setor público e os demonstrativos contábeis vem tentando paulatinamente induzido pela Secretaria do Tesouro Nacional, a avançar na melhora da qualidade dos registros contábeis. Destaco entre os muitos mecanismos de avanço institucional a implementação da Matriz de Saldos Contábeis, que faz uma espécie de controle cruzado nos registros contábeis subnacionais. Entretanto, infelizmente, ainda não se conseguiu chegar ao padrão dos países mais desenvolvidos, como muito bem pontuaram Felipe Salto e Mansueto Almeida na obra: “Finanças públicas: Da contabilidade criativa ao resgate da credibilidade”.

Teresa Ter-Minassian e Jon Craig[i], em seus estudos, apontam que o controle do endividamento público subnacional pode ser classificado em quatro modelos: 

1. controle cooperativo (cooperative approach) - com adoção de uma contabilidade pública uniforme em âmbito nacional, por meio da negociação de limites e condições entre governo central e governos subnacionais; 

2. controle normativo (ruled-based approach) - por meios de normas preestabelecidas em lei ou na própria Constituição;

3. o controle direto pelo governo central (direct control of the central government); 4. o controle estritamente de mercado (market discipline).

A adoção do modelo normativo de controle do endividamento subnacional pelo Brasil, apesar da vantagem de dar maior transparência e de garantir equidade aos entes subnacionais, traz rigidez e torna comum a adoção de práticas contábeis heterodoxas (“contabilidade criativa”), com o fim de contornar a observância das normas legais em matéria de responsabilidade fiscal. Alguns municípios nem ao menos possuem contabilidade regular ou que façam conciliação bancária e, alguns entes, chegam às raias do absurdo de terem milhões e outros, bilhões, em despesas a classificar. 

Além disso, temos também na maioria dos estados e municípios, uma excessiva carência de mão de obra especializada e a inexistência de programas continuados de melhora dos registros contábeis e de treinamento. Essa situação também é verificada em nações mais desenvolvidas, a exemplo de países que compõem a União Europeia e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Infelizmente, os órgãos de controle tem tido dificuldade em apontar e corrigir essas situações. 

A Secretaria do Tesouro Nacional, em parceria com o Banco Mundial, e o Banco Interamericamericano de Desenvolvimento, desenvolveu um indicador de capacidade de pagamento – CAPAG, que tem por finalidade apurar a situação fiscal dos Entes Subnacionais que querem contrair novos empréstimos com garantia da União. Apesar de algumas dificuldades metodológicas e de claros problemas em registros contábeis, a CAPAG vem ajudando a deixar mais clara a situação financeira dos entes subnacionais. 

Recentemente, foi feita nova consulta pública tentando-se harmonizar os novos conceitos e exigências trazidas pela Emenda Constitucional n°109/21 e Lei Complementar n°178/21 e mitigar os efeitos nos resultados fiscais dos recursos trazidos para o combate a pandemia através da Lei Complementar n° 173/2020. É necessário muita atenção para evitar estragar um instrumento de transparência da gestão fiscal de estados e municípios que, apesar dos defeitos, possui muitas qualidades. 

Dessa forma, a construção de um indicador deste tipo merece estabilidade de conceitos e as mudanças merecem uma adequada transição. Entretanto, não há motivos para a suspensão da tramitação das operações de crédito em andamento e muito menos suspender as operações excepcionalizadas de limites como o Profisco e o Progestão do Banco Interamericano - BID e do Banco Mundial -BIRD. Felizmente o Ministério da Economia voltou atrás nessa situação, entretanto percebemos que há clara intenção de dificultar a tramitação de operações de financiamento, seja pela tramitação seja pelo pequeno limite de crédito disponível pelo Conselho Monetário Nacional seja por questões pouco técnicas de priorização por parte dos bancos estatais. 

Deve-se ainda destacar a proposta de auditoria dos registros contábeis da referida consulta pública que vai gerar uma grande pressão de aperfeiçoamento técnico dos Tribunais de Contas, mais acostumados a análise de conformidade legal. Terão que desenvolver expertise em curto espaço de tempo para uma auditoria contábil muito mais detalhada que, com certeza, também envolverá a necessidade de inspeções externas para verificar sistemas, registros e processos.

Esse avanço nos mecanismos de controle do registro contábil e o aperfeiçoamento do CAPAG podem evitar que no futuro tenhamos entes com boa qualificação de risco, mas que não conseguem pagar suas contas em dia num futuro próximo. Deveriam trazer uma análise prospectiva e qualitativa que verifique no tempo a exigibilidade futura de passivos e o risco de choques econômicos na estrutura de arrecadação própria e das transferências. Assim, deve-se estimular que a academia faça estudos e pesquisas que ajudem a aperfeiçoar esses mecanismos de avaliação de condição financeira e risco de crédito.

Entretanto, o que mais se deseja é que não haja interferência política nas decisões de crédito, principalmente nas instituições públicas. Dever-se-ia buscar sempre a transparência e decisões técnicas.

George Santoro 

[i] TER-MINASSIAN, Teresa; CRAIG, Jon. “Control of subnational government borrowing”. In: TER-MINASSIAN, Teresa (Ed.). Fiscal federalism in theory and practice. Washington: International Monetary Fund, 1997, p. 156-172