Inflação devora a renda dos mais pobres

Tomei um susto essa semana ao fazer compras após algum tempo deixando essa tarefa doméstica para minha esposa. Percebi que tinha perdido completamente a minha referência dos preços. Já há alguns meses senti isso no orçamento familiar, mas agora era diferente, estava vivendo a experiência completa.

Isso fez me recordar os tempos de criança quando ao primeiro anúncio de alta de preços nas rádios ou na televisão, as famílias temiam que os principais produtos de subsistência pudessem subir e, então, saíam correndo para as compras. Logicamente, filas gigantescas se formavam nos supermercados. Lembro-me bem de passar horas com minha mãe para comprar o básico: arroz, feijão, leite e óleo. Esse corre-corre para comprar trazia efeitos imediatos como o desaparecimento rápido de alguns produtos das prateleiras e, na sequência, a venda racionada.

Para viver nessa época, além de gastarem todo seu salário rapidamente, as famílias criaram hábitos que perduram até os dias de hoje, como o de fazer compras do mês. Os mercados remarcavam diariamente e, com frequência, até mais de uma vez ao dia os preços dos produtos. Era comum, ao pegar algum produto na prateleira, notar que havia etiquetas e mais etiquetas de remarcação de preços, umas sobre as outras.

O excelente livro “Saga Brasileira”, da jornalista Miriam Leitão, retrata bem esse período ao exemplificar a perda de referência de valor quando comenta que, naquela época, um fogão de brinquedo poderia custar mais do que um fogão de verdade e que era possível comprar um blazer de linho pelo mesmo valor de uma geladeira.

Durante a segunda metade do século 20, o Brasil foi o país com a maior inflação em todo o mundo. A inflação foi passando de 100% ao ano para 200% ao ano, na esteira de um segundo choque do petróleo e de uma onda de juros que pegou o Brasil muito endividado levando-o à moratória da dívida externa. No período de 1986 a 1994 foram testados vários programas heterodoxos de estabilização, baseados no congelamento de preços. Todos fracassaram e levaram a inflação a patamares superiores a 1000% ao ano! Essa difícil trajetória só foi interrompida em 1994, com a implantação do Plano Real.

A inflação impacta mais os pobres, pois estes não têm mecanismos para se proteger. Ela é uma espécie de imposto contra o pobre. Também dificulta o planejamento da vida de todas as famílias e empresas porque, quando se tem inflação alta, o futuro vira uma incógnita, mesmo o imediato. É importante destacar que esse processo crescente de mudanças de preços facilita a trapaça e a má fé de comerciantes e prestadores de serviços dado a dificuldade de se memorizar e comparar preços de serviços e produtos.

A inflação acumulada pelo IPCA-15, em 2021, nos últimos 12 meses tem apresentado uma trajetória de aumento: em janeiro de 2021 era 4,30% e, agora em julho, bateu 8,59%. Os itens que mais contribuíram foram: gasolina, energia elétrica, gás e alimentação. Vários fatores têm colaborado para isso. Poderia passar várias páginas tentando explicá-los, mas o que mais me preocupa é que não tenho visto uma atitude de enfrentamento, assim como não vejo analistas se dando conta da gravidade da coisa.

É necessário que se trate desta questão com a devida seriedade. Os atuais indicadores fiscais aliados à uma gestão da economia do país que não consegue formular medidas consistentes e um cenário político conturbado até com ameaças reais à manutenção da democracia agrava demais o quadro geral. Ele só não é pior porque é favorecido por um céu de brigadeiro na economia mundial, principalmente nos ativos que mais nos ajudam que são as commodities, mas isso pode virar. Não podemos ser tão complacentes, pois a pandemia sozinha não está nos levando para o buraco, mas sim, a péssima gestão e condução política do país.

Quem viveu os dias de hiperinflação não quer ver isso de novo. Temos muito pouco tempo de controle das taxas inflacionárias e todo cuidado é pouco. Além disso, temos visto a miséria aumentando pela perda da capacidade dos benefícios sociais darem conta desta subida de preços como o do bujão de gás a R$ 100,00 e de um vidro de óleo de soja a R$ 8,00. 

Já se tem notícia que nas periferias das cidades voltou-se a cozinhar com lenha, assim vale recordar de Luiz Gonzaga:

(...) “Pobreza por pobreza

Sou pobre em qualquer lugar

A fome é a mesma fome que vem me desesperar” (...)

Quem tem fome, tem pressa!

 

George Santoro