Valentim Fernandes Bouças (1950) é um dos autores que melhor descreve o início do processo de desequilíbrios fiscais do Brasil mostrando que os primeiros registros das finanças do Brasil Colônia já apontavam contínuos déficits anuais tendo-se elevado a dívida pública. A situação tornou-se mais crítica com o retorno do Rei D. João VI com sua comitiva para Portugal, pois levou a maior parte dos recursos disponíveis em moeda de ouro e de prata existente ficando o Tesouro Público, na fiel expressão do ministro da Fazenda, o conselheiro Martim Francisco Ribeiro de Andrada, “sem real em seus cofres”. Essa acabou sendo uma prática muito corriqueira ao longo da história por diversos governantes ao deixarem seus mandatos na esfera federal, estadual e municipal.
No Brasil, sempre se discute na política, na grande imprensa e na academia questões relacionadas ao equilíbrio fiscal. Os Governos, diante das dificuldades, propõem vez ou outra levar a cabo programas de cortes de despesas e de aumento da arrecadação. Medidas pontuais na maioria das vezes. Olhando quase sempre no curto prazo, essas medidas na verdade estão buscando apenas chegar a uma situação de equilíbrio fiscal, nem ao menos consegue chegar a tranquilizar o caixa dos governos de qualquer esfera federativa.
Dessa forma, começa a ficar mais claro que uma gestão fiscal é considerada sustentável quando se olha seus principais indicadores financeiros no longo prazo, uma vez que o governo apresenta medidas que respeitam não apenas sua restrição orçamentária momentânea, mas a intertemporal. Portanto, um período em que as contas apresentem déficit fiscal apontam para um desequilíbrio fiscal, mas não necessariamente para insustentabilidade. No longo prazo, os resultados podem apontar para uma redução consistente do endividamento e dos principais indicadores financeiros de um ente como a redução dos gastos correntes em função da variação do PIB ou mesmo da Receita Corrente.
Assim, para se verificar a sustentabilidade fiscal, olha-se para a trajetória intertemporal, o que foi recepcionado recentemente pela Emenda Constitucional n°109/2021 que introduziu na CF o 164-A. Ele obriga União, Estados e Municípios a conduzirem suas políticas fiscais de forma a manter a dívida pública em níveis sustentáveis no tempo. Assim, constitucionalizou-se o conceito de sustentabilidade intertemporal, entretanto, o congresso retirou do texto o dispositivo que previa a verificação da sustentabilidade intergeracional de políticas públicas.
Recentemente, tivemos dois fatos que fizeram os países mudarem suas condutas fiscais em todo o mundo: baixas taxas de juros reais e a crise de saúde pública causada pela pandemia do COVID-19. Assim, os juros baixos possibilitaram aos governos incorrer em déficits maiores e contrair mais dívidas que o habitual, o que foi essencial para combater os efeitos dessa pandemia. Entretanto, o uso desse espaço fiscal ampliado traz com ele a necessidade de se adotar medidas para o retorno da trajetória fiscal ao equilíbrio intertemporal a fim de que haja um balanceamento nos sacrifícios e restrições intergerações.
Neste sentido Alagoas vem dando grande exemplo para o país. Desde 2015 a sua gestão fiscal vem procurando orientar a equipe de governo quanto à manutenção, extinção ou criação de programas e projetos governamentais usando o ideário de sustentabilidade fiscal. No início buscou-se conseguir o equilíbrio para, aí sim, utilizar a folga fiscal para equalizar suas dívidas e passivos de curto e médio prazo e, na sequência, para projetos de investimentos com efeitos multiplicativos evidentes e de melhoria da prestação de serviços públicos.
As duras medidas do início da gestão bem como as três reformas adotadas no sistema previdenciário, a revisão de programas sem o devido retorno social e alguns pacotes de ajuste na tributação geraram muita incompreensão no momento de sua adoção. Assim, ao contrário de Castelo em “O Homem que Sabia Javanês”, de Lima Barreto, procurou-se sempre diálogo franco para sociedade com transparência e verdade dos fatos.
Todo esse incômodo, entretanto, foi se diluindo com a divulgação dos resultados financeiros e a redução do endividamento público líquido. O que dotou o estado de mecanismos para implementar políticas públicas como a ampliação e melhoria da rede pública de saúde, de segurança pública, mobilidade, saneamento e educação entre dezenas de outras políticas que Alagoas jamais pensou ser capaz de adotar. Tudo isso com sustentabilidade fiscal.
Termino citando o bordão do economista Marcos Lisboa, “O Estado tem que servir ao cidadão. Não o cidadão servir ao Estado”. Temos adotado esse mantra, muitas vezes, enfrentando grupos de interesse, mas vale a pena ver os resultados.
George Santoro