As regras fiscais, segundo a definição do Fundo Monetário Internacional, são restrições duradouras sobre a política fiscal. Para isso, são concebidos indicadores numéricos e estabelecidos parâmetros para agregados orçamentários com o objetivo de conter pressões excessivas sobre o gasto público. Desde a década de 1990 o uso de regras fiscais tem se disseminado entre os diversos países de forma que, atualmente, mais de 90 países fazem uso desse instrumento.

Tradicionalmente, a literatura categoriza as regras fiscais em: regras de despesa ou gasto público, de receita, de resultado orçamentário e regras de dívida pública. Na última década, com o recrudescimento da situação fiscal e da economia brasileira, o país adotou, como na maioria dos países, múltiplas regras fiscais. Tal medida utilizou como premissa a complementariedade dessas regras que ajudariam no alcance e na manutenção da sustentabilidade fiscal intertemporal.

No entanto, a simples adoção de regras fiscais não garante a sustentabilidade fiscal de um ente, embora muitas pesquisas apontem que a simples criação destas regras já auxilie na melhora nos indicadores fiscais. Não é recomendável implementá-las sem que haja compromisso político em sua adoção, pois há grave risco de caírem em descrédito. Da mesma forma que, se o ente estiver em desequilíbrio fiscal estrutural, a adoção de regras deve vir acompanhada de medidas de ajuste efetivas e reformas. Também é fundamental que o processo orçamentário tenha ampla transparência e controle social. Não é admissível, por exemplo, a existência de orçamentos secretos como o noticiário brasileiro vem relatando recentemente. Por fim, a literatura também vem apontado ser fundamental a previsão de punições efetivas para o descumprimento das regras estabelecidas.

O Brasil, mesmo contando com múltiplas regras fiscais, exibiu nos últimos 7 anos um crescimento da dívida bruta do governo geral da ordem de 50% do PIB em cinco anos, alcançando 90% do PIB em fevereiro de 2021. Adicionalmente, registra-se a presença de déficits primários nas contas públicas desde 2014, com previsão de sucessivos déficits até pelo menos 2030 segundo a Autoridade Fiscal Independente - IFI. As evidencias empíricas ratificam o que as pesquisas vem apontado: é necessário fazer reformas estruturantes para reverter a trajetória fiscal, não basta possuir regras fiscais.

Em mais um movimento de conduzir a trajetória fiscal do país, provocado pelo governo federal, o Congresso Nacional aprovou um novo conjunto de regras fiscais: a Lei Complementar nº 178/2021 e a Emenda Constitucional n° 109/2021. Estas normas trazem muitas mudanças, seja alterando ou esclarecendo antigas regras fiscais seja trazendo novo regramento. Partes destas mudanças entrarão em vigor somente em 2023, mas algumas já estão em vigor. 

Nesse contexto, o poder que descumprir o limite da despesa de pessoal somente terá obrigação de iniciar uma trajetória de redução em 2023, à razão de 10% ao ano. Assim sendo, somente daqui a 12 anos em 2032, este Poder deve retornar ao seu limite fiscal. Entretanto, as penalidades pelo não ajuste começam a ser aplicadas somente em 2033.

As alterações promovidas pelo art. 16 da LC 178/21 visaram padronizar a apuração do gasto com a folha salarial. Essa clarificação deverá resolver as mais diversas interpretações hoje existentes nas Cortes de Contas, de forma a reforçar a competência da Secretaria do Tesouro Nacional - STN trazida pela Emenda 108 de 2020, para que ela seja capaz de consolidar as contas públicas de toda os entes governamentais do país num mesmo critério contábil. Sem dar margem a interpretações criativas dos registros contábeis. 

Neste sentido foi fundamental a incorporação do regime de competência também na despesa de pessoal, considerando a despesa incorrida independentemente de ter havido ou não o prévio empenho da despesa. Não menos importante foi a definição de remuneração bruta e apenas uma exceção a essa regra na contabilização desta despesa: o “abaixa teto” – apenas o valor de remuneração acima do teto não entra na conta. Muitos tribunais de contas desconsideravam por exemplo o desconto do Imposto de Renda (IR) no valor bruto da despesa laboral, isso não mais se poderá fazer.

Outro ponto ainda que foi deixado mais claro na Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF foram os relativos as despesas com inativos e pensionista, consagrando o conceito de que não importa quem paga a despesa se é o tesouro do ente subnacional ou se o órgão de previdência, bem como que a cobertura do déficit corrente do sistema previdenciário também é despesa e não como muitos entendiam que se tratava de capitalização. Também deixou claro que despesa com pensionista também é despesa de pessoal.

Já a Emenda Constitucional n° 109/21 trouxe algumas regras fiscais como subterfugio de que essas mudanças fossem capazes de mudar positivamente a trajetória fiscal do país e, dessa forma, seria possível o pagamento do auxílio emergencial em 2021.

A primeira mudança relevante, no âmbito da União, foi a desobrigação de financiamento aos estados e municípios para pagamento de precatórios, retirando assim, um risco fiscal de mais de R$ 140 bilhões em precatórios de estados e municípios. Em compensação, aumentou o prazo destes entes em mais 5 anos. Consolidou o acordo judicial no STF sobre a Lei Kandir revogando a ulterior obrigação constitucional. Já a desvinculação de superávit financeiro de fundos especiais poderá ajudar o governo federal a abater da dívida mobiliária federal um significativo valor que segundo especialistas pode chegar a R$ 200 bilhões.

Outra regra fiscal criada foram os “Gatilhos” do teto de gastos correntes e despesas obrigatórias que possui impactos diferentes entre União e os entes subnacionais. A ideia dos “gatilhos” é que, quando as despesas correntes batam em tetos de 85% e de 95% das receitas correntes, eles acionem restrições, porém todas facultativas. A intenção é restringir o crescimento de despesas obrigatórias.

Entretanto, o governo federal tem muito menos espaço para reduzir despesas não-obrigatórias, por já estarem bastante comprimidas. Isso é importante, pois é necessário um nível mínimo de despesas não-obrigatórias para um adequado funcionamento da máquina pública. 

Assim, a medida tem muito mais impacto para governos subnacionais, mas mesmo estes precisam ter compromisso com a gestão fiscal responsável. Esta regra em conjunto com a de inclusão dentro dos duodécimos dos poderes dos entes subnacionais das despesas de inativos e pensionista foram as medidas de maior impacto para uma melhora fiscal dos entes subnacionais.

A Emenda estabeleceu a obrigação de o Presidente da República enviar um plano de redução de benefícios federais de natureza tributária com metas de redução de 10% ao ano, até que a proporção de 2% do PIB seja atingida em 10 anos. A meta estabelecida é de difícil execução até porque a emenda exclui diversos benefícios tributários o que diminui significativamente as possibilidades. Além disso, a obrigação se restringe ao envio da proposta pelo Presidente ao Congresso, que não tem qualquer obrigação de aprovar ou sequer apreciar a proposta. 

Além de diversas regras foram introduzidos dispositivos principiológicos sem efeitos imediatos que carecem de regulamentações, como o princípio de trajetória sustentável da dívida pública e o de avaliação periódica de políticas e programas públicos.

As regras fiscais não são uma panaceia e, por si só, possuem atuação limitada, não sendo capazes de garantir mudanças comportamentais ou de gestão, mas são uma boa ferramenta para induzir a responsabilidade fiscal.

O Brasil, após esse conjunto de mudanças no seu arcabouço fiscal, mais uma vez seguiu um caminho pouco consistente, pois criou um cipoal de novas regras e princípios que parecem frágeis e incapazes de sinalizar a capacidade do Governo Federal de manter a trajetória da dívida pública sob controle. Para estados e municípios, a PEC foi um pouco mais robusta, porém incapaz de determinar mudança significativa no desequilíbrio estrutural e na baixa disciplina fiscal dos governos subnacionais. 

Não há caminho fácil. Não basta criar um monte de regras, para voltarmos a uma disciplina fiscal capaz de possibilitar o financiamento de políticas públicas consistentes e investimentos que melhorem a vida da população. É preciso regras simples de fácil controle e de um processo continuo de mudanças na cultura da gestão pública brasileira. 

 

George Santoro