Ela é uma mulher preta, com  tranças longas que dá  um ar de suntuosidade a sua expressão atemporal.

Ela é uma mulher preta com uma bagagem de vivências ímpares, cheia de saberes ancestrais. Tem uma visão clínica do mundo.  Não a conheço, conversamos pelo Messenger sobre algo de  interesse comum.

Ela me faz uma pergunta e eu respondo.

Continuo a conversa com mensagens escritas e , insistentemente ela continua, a mandar áudios  relatando realidades especificas e complexas. É um monologo cheio de conversas, até que ela, um tanto envergonhada,  me pede, através de  áudio  que a conversa se faça  com mensagens de voz  e complementa :" não seio ler”.

A declaração da mulher, que me falou desenvolta  das experiências singulares, me pega de supetão .É como um soco na boca do estômago essa  violência do analfabetismo, apesar da tecnologia, tão presente nos territórios de pret@s, que, em sua maioria,  vive em condições socioeconômicas difíceis.

 A vergonha cheio de pudores da preta, que traz a herança ancestral da oralidade,  me fala sobre esse  racismo naturalizado, de caráter estrutural e sistêmico, que expõe a crueldade do apartheid entre branc@s e pret@s., no país que se assume miscigenado.  

No Brasil o analfabetismo  é étnico, tem cor/raça  especifica consequentemente também tem cep definido.

Dados da Pnad mostram que o analfabetismo entre pret@s ou pard@s é quase o triplo do que entre branc@s.

Entre pret@s ou pard@s com mais de 60 anos, taxa chega a 27,1%

O não “seio ler” da preta funcionou como  gatilho. Uma amostragem claustrofóbica de que a tal cidadania não nos alcança e como  sujeitos historicamente e institucionalmente excluid@s anda temos muito que avançar.

Nada de novo!

Somos um povo que vive, diariamente, o desafio de impedir que nossa identidade seja engolida.

-Não seio ler -me disse a mulher preta ?

ou #Blacklivesmatter!