O discuso recente da deputada estadual Jó Pereira (MDB) na Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas traz um ponto que merece destaque: ela, que é emedebista, reclama da ausência de diálogo com setores do governo de Renan Filho, que é do mesmo partido.

Ora, se Jó Pereira estiver correta, o que se pode indagar é o seguinte: se setores do Executivo não conseguem dialogar com correligionários para ouvir as críticas e alertas de quem, em tese, integra a própria bancada no Legislativo, vai dar ouvidos a quem?

No caso em tela, Pereira falou da situação das infecções de bebês (abordadas pelo Portal CadaMinuto) na maternidade Santa Mônica. Afirma a parlamentar que já havia alertado o atual secretário de Saúde, Alexandre Ayres, sobre o problema, mas… não obteve resposta.

Eis a fala de Pereira: “Eu dizia ao secretário da necessidade de retirar da Santa Mônica as gestantes contaminadas com Covid-19 e abrir espaço para as grávidas dentro do Hospital da Mulher. Sabemos das dificuldades estruturais daquele hospital. Quem conhece, sabe disso. Desde o ano passado venho alertando para a necessidade de utilizar o espaço do Hospital da Mulher”.

Ou seja: o caso dos bebês infectados não pode ser visto como algo inesperado, uma vez que, lá atrás, a deputada estadual já havia feito o alerta e mostrado o risco. Esse problema foi ignorado por qual razão? Afinal, pelo exposto pela emedebista se tratou de uma crônica de uma tragédia anunciada. O que governo, por meio da Secretaria de Saúde, achou que não ocorreria, pelo visto. Com a resposta o secretário Alexandre Ayres.

Lembro ainda ao leitor (a) (por já ter tratado do tema algumas vezes) que não é a primeira vez que Jó Pereira mostra, ainda que com outras palavras e em outras situações, a dificuldade de diálogo com a gestão de Renan Filho. É válido citar, por exemplo, as constantes cobranças que Jó Pereira fez em relação a um planejamento para o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza (Fecoep) em Alagoas, que segue direcionando recursos sem um plano aprovado por lei. Isso fez com que – em muitos momentos – houvesse desvios de finalidade.

O assunto já foi pauta, na legislatura passada, do deputado estadual Bruno Toledo (PROS) e também foi abordado por Davi Maia (Democratas). Pereira – querendo ou não – passa a imagem de que o Executivo anda encastelado e com pouco diálogo na busca por resolver os problemas, como se autossuficiente fosse.

O parlamento acaba por virar uma Duma, sendo meramente um carimbador de vontades maiores. Essas palavras são minhas e não de Jó Pereira. Mas, caro leitor (a), é o que acabo por enxergar nas entrelinhas do mais recente discurso da parlamentar. E aqui não me furto à interpretação óbvia das entrelinhas.

O que se faz presente na atual reflexão levantada por Jó Pereira foi o que esteve também na base de sua argumentação em cobranças anteriores, quando, inclusive, o governo estadual respondeu falando da criação de um plano emergencial para os recursos do Fecoep no combate à Covid-19, quando a pandemia já se alastrava.

Agora, mais uma vez, ao que tudo indica, as medidas em relação à maternidade Santa Mônica se dão no sentido de corrigir o problema depois que ele surge, mas não de evitá-lo quando haviam sido alertados da situação.

Portanto, por trás dessa situação grave, algo a mais: a incapacidade de ouvir.

O que, a meu ver, acabou não ficando claro nas matérias jornalísticas que cobriram o caso da maternidade foi a dureza com que Jó Pereira fez críticas firmes ao secretário Alexandre Ayres. Seleciono esse trecho de sua fala: “Até o começo deste ano, eu fazia parte da Comissão de Saúde da Casa. Tivemos várias vezes com o secretário Alexandre Ayres, que assumiu o compromisso de que estaríamos fazendo parte das decisões, e este compromisso nunca foi cumprido. O que tínhamos eram reuniões isoladas com a comissão”, disse

Destaco com mais evidência em um grifo com maiúsculas: “(…) ALEXANDRE AYRES, QUE ASSUMIU O COMPROMISSO DE QUE ESTARÍAMOS FAZENDO PARTE DAS DECISÕES, E ESTE COMPROMISSO NUNCA FOI CUMPRIDO (...)”.

Notem o seguinte: Jó Pereira fala do Conselho. Por discursar em terceira pessoa, é de se compreender que Ayres não ouve apenas a parlamentar. O secretário é apontado como alguém que não ouve o CONSELHO, pois é a isso que leva a entender o uso do “nós”. Sendo assim, mesmo tendo alertado sobre um problema, esse não foi ouvido, consultado ou teve o papel que deveria ter.

Nesse caso, ou Pereira fala a verdade ou se equivoca. Mas, como Alexandre Ayres ficou completamente em silêncio a respeito do pronunciamento da parlamentar, a sensação é de que quem cala consente.

Vale pontuar ainda que a parlamentar emedebista sentencia que “a política pública para a gestante de alto risco é de competência do Estado e não adianta querer passar a responsabilidade para a Universidade Estadual de Ciências da Saúde, pois ela é apenas a prestadora de serviço que, por sinal, vem sendo prejudicada no repasse de recursos. Quero, enfim, deixar claro que a Comissão de Saúde desta Casa tentou alertar sobre a situação da Santa Mônica, mas não foi ouvida”.

Percebam, caros leitores (as), que nesse caso não é um dos oposicionistas da Casa de Tavares Bastos que levanta essa discussão, mas alguém do próprio partido do governador Renan Filho.