Segundo dados fornecidos pelo Governo Federal, atualmente no Brasil existem mais de 100 milhões de pessoas que não contam com serviços de esgotamento sanitário, e 35 milhões que não possuem acesso à água tratada. O Novo Marco Legal, Lei n.º 14.026/20, sancionada este ano impõe novas atribuições - para não dizer super poderes - a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico. Sim, saneamento básico! A lei alterou também o nome da agência que também passou a regular o saneamento básico no país. 

A agência, que é uma autarquia especial federal, com autonomia administrativa e financeira, ligada ao Ministério de Desenvolvimento Regional, terá pela frente grandes desafios, pois o Novo Marco Legal traz como meta e no prazo de 13 anos, ou seja, até 2033 possibilitar o atendimento de 99% da população com água potável e de 90% com tratamento e coleta de esgotamento sanitário.

A nova legislação federal do saneamento básico trouxe grandes avanços e mudanças, possibilitando a participação da iniciativa privada, tendo em vista que, antes o setor era dominado majoritariamente pelo capital público, além de proporcionar maior segurança jurídica na regulação. Pontos que viabilizam melhorias na prestação de serviços e no maior acesso da população aos serviços.

O saneamento básico fica sob a responsabilidade da ANA, a agência centraliza as atividades e amplia suas funções, fazendo o papel de supervisora da prestação dos serviços, responsável pela regulação e pela edição de normas nacionais de regulação, as normas de referência para que as agências estaduais tenham parâmetros a seguir, é a chamada Sunshine Regulation, termo derivado do inglês, chamada regulação por exposição.

Logo no artigo 4º-A, da Lei nº 14.026/2020, vislumbra-se uma longa lista de funções e competências atribuídas a agência, tais como: a instituição de normas de referência para a regulação dos serviços públicos de saneamento básico por seus titulares e suas entidades reguladoras e fiscalizadoras, observadas as diretrizes para a função de regulação estabelecidas na Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007 (lei que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico e cria o Comitê Interministerial de Saneamento Básico), ficará a cargo da ANA estabelecer normas de referência sobre: 1) os padrões de qualidade e eficiência na prestação, manutenção e operação dos sistemas de saneamento básico; 2) a regulação tarifária dos serviços públicos de saneamento básico, com o objetivo de promover a prestação adequada, o uso racional dos recursos naturais, o equilíbrio econômico-financeiro e a universalização do acesso ao saneamento básico; 3) a padronização dos instrumentos negociais de prestação de serviços públicos de saneamento básico firmados entre o titular do serviço público e o delegatário, os quais deverão contemplar as metas de qualidade, eficiência e ampliação da cobertura dos serviços, assim como especificação da matriz de riscos e dos mecanismos de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro das atividades; 4) o cumprimento de metas para universalização dos serviços públicos de saneamento básico para concessões que considerem, entre outras situações, o nível de cobertura de serviço existente, a viabilidade econômico-financeira da expansão da prestação do serviço e o número de municípios atendidos; 5)  os critérios para a contabilidade regulatória; 6)redução progressiva e controle da perda de água; 6) a governança das entidades reguladoras, conforme princípios estabelecidos no art. 21 da Lei nº 11.445/2007; 7) o reúso dos efluentes sanitários tratados, em conformidade com as normas ambientais e de saúde pública; 8) os parâmetros para determinação de caducidade na prestação dos serviços públicos de saneamento básico; 9) sistema de avaliação do cumprimento de metas de ampliação e universalização da cobertura dos serviços públicos de saneamento básico; 10) o conteúdo mínimo para a prestação universalizada e para a sustentabilidade econômico-financeira dos serviços públicos de saneamento básico, dentre inúmeras outras. 

Como se vê os poderes e desafios da ANA são gigantes, os elencados acima são apenas algumas das competências atribuídas a agência de acordo com o novo marco legal. A agência também terá que editar as normas de referência para a regulação dos serviços públicos de saneamento básico (§2º), que deverão ser instituídas de forma progressiva. 

De acordo com o § 3º, do artigo 4º-A, as normas de referência para a regulação dos serviços públicos de saneamento básico deverão promover a prestação adequada dos serviços, com atendimento pleno aos usuários, observados os princípios da regularidade, da continuidade, da eficiência, da segurança, da atualidade, da generalidade, da cortesia, da modicidade tarifária, da utilização racional dos recursos hídricos e da universalização dos serviços, estimular a livre concorrência, a competitividade, a eficiência e a sustentabilidade econômica na prestação dos serviços, fomentar a cooperação entre os entes federativos com vistas à prestação, à contratação e à regulação dos serviços de forma adequada e eficiente, a fim de buscar a universalização dos serviços e a modicidade tarifária, possibilitar a adoção de métodos, técnicas e processos adequados às peculiaridades locais e regionais, incentivar a regionalização da prestação dos serviços, de modo a contribuir para a viabilidade técnica e econômico-financeira, a criação de ganhos de escala e de eficiência e a universalização dos serviços, estabelecer parâmetros e periodicidade mínimos para medição do cumprimento das metas de cobertura dos serviços e do atendimento aos indicadores de qualidade e aos padrões de potabilidade, observadas as peculiaridades contratuais e regionais, estabelecer critérios limitadores da sobreposição de custos administrativos ou gerenciais a serem pagos pelo usuário final, independentemente da configuração de subcontratações ou de subdelegações, bem como, assegurar a prestação concomitante dos serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário.

A agência necessitará como nunca de independência administrativa e financeira, maior corpo técnico, logo será necessário a realização de um concurso público. Não restam dúvidas que a edição das normas de referência para todas as agências do país demandará muito trabalho, principalmente, porque a liberação dos recursos da União dependerá da observância dessas normas pelas agências estaduais e municipais de todo o Brasil, estas normas passam a ter caráter impositivo.

Somando-se ao fato de que em diversos Estados não existem agências específicas, e em alguns nem mesmo indicadores independentes que possam regular os serviços de saneamento básico. O assunto é complexo, e novo, demanda tecnicidade e comprometimento, uma vez que, é pauta represada no país há mais de um século.

 A tecnicidade, a transparência, e a clareza das funções da Ana serão indispensáveis para que os recursos possam ser utilizados da forma correta pelos Estados. 

O novo marco legal também atribui a ANA às regras de governança para as agências reguladoras locais, regionais e estaduais. No Brasil existem mais de 60 agências reguladoras estaduais, municipais e intermunicipais, e pelo letra da lei a ANA ficará responsável pela fiscalização do cumprimento das normas de todas essas agências.

Não restam dúvidas de que o saneamento será a grande locomotiva da recuperação da economia brasileira, com a missão de somar forças para que o país avance rapidamente no setor. O caminho a ser trilhado pela ANA é longo e desafiador, a agência necessita receber condições para exercer sua competência na forma prevista em lei e com a eficiência e tecnicidade que o saneamento básico requer.

 

Referências

BRASIL, Planalto.gov. Disponível em<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l14026.htm > Acesso em: 19 de outubro de 2020.

BRASIL, Novo Marco de Saneamento é sancionado e garante avanços para o País, disponível em Chttps://www.gov.br/pt-br/noticias/transito-e-transportes/2020/07/novo-marco-de-saneamento-e-sancionado-e-garante-avancos-para-o-pais> Acesso em: 20 de outubro de 2020.

FEITOSA, Andréia Costa. Novo marco legal do saneamento básico brasileiro. Concessões de serviços públicos a iniciativa privada, melhora na qualidade de vida da população, com o consequente desenvolvimento do meio ambiente e incentivo ao turismo. Artigo acadêmico apresentado como avaliação da matéria Serviços Públicos e Regulação do Mestrado Profissional em Direito do Instituto Brasiliense de Direito Público. Disponível em: 11 de agosto de 2020.

FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro. 3 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2016.

BORGES, Alice Gonzalez. Concessões de serviço público de abastecimento de água aos municípios. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 212, p. 95-107, abr. 1998. Disponível em <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/47170>. Acesso em 08 jul. 2020.

ONU. Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 6: Água potável e saneamento. 2020. Disponível em <https://nacoesunidas.org/tema/ods6/>. Acesso em 05 jul. 2020.