Chega gente de todos os tipos, de todas as idades, homens e mulheres, adolescentes, jovens e velhos. Alguns estão sozinhos, mas a maioria está acompanhada de outro parente ou de algum amigo. Sou um acompanhante. Aparecem casais, o pai e o filho, a mãe e a filha, o irmão mais novo com o mais velho, talvez o sobrinho e o tio. Durante as 24 horas do dia, o movimento não para na Central de Triagem para teste de Covid-19 em Maceió (foto). Conto aqui o que vi ao longo de 7 horas – praticamente no coração da pandemia.

Cheguei ao Ginásio do Sesi, no bairro do Trapiche, por volta das três da tarde do sábado. Saí às dez da noite. É assim mesmo. É demorado e cansativo pra todo mundo que vai até ali. A central foi montada pelo governo estadual como estratégia no enfrentamento à crise que assola o país. É uma iniciativa que de fato cumpre papel decisivo na guerra contra a doença. Uma ação necessária.

Uma segunda unidade está sendo montada no Benedito Bentes – o que vai desafogar o Sesi e facilitar o acesso ao serviço para moradores da parte alta da capital. A Secretaria de Saúde prometeu a inauguração para esta semana. A central do Trapiche começou a atender em 14 de abril. E a procura não para de aumentar. O governo precisa atacar o tempo de espera. Dá pra fazer.

Com o noticiário sobre o avanço da pandemia, o clima está mais pesado em todo canto. Com jeitão de que está disseminada no Brasil, a ameaça fica mais perto de todos nós. Pode chegar a qualquer um, a qualquer momento. Até um dia desses a coisa parecia distante, algo remoto que atinge os outros. Hoje, o vendaval de números e de curvas estatísticas nos arremessa ao centro da tragédia.

Eu falei que o clima está pesado em todo canto. Mas na central de triagem isso ganha uma variedade de rostos – ainda que parcialmente escondidos atrás de uma máscara. A gente vê os olhos. E o olhar revela, em cada um, de um modo particular, a surpresa, o espanto, numa escala que vai da preocupação ao medo repentino. A incerteza alimenta o temor quanto ao futuro imediato.

Ao chegar, uma pessoa que apresente algum dos sintomas da Covid-19 recebe uma ficha das atendentes que fazem esse primeiro contato. A partir daí, começa a maratona de espera – primeiro ainda na entrada do ginásio, ao lado da rampa que dá acesso às arquibancadas. Depois de chamado, o paciente ficará mais algumas horas lá dentro, onde foi montada a estrutura para realizar os exames.

Enquanto estive ali, um incidente assustou as dezenas de pessoas que aguardavam a chamada: um homem que também estava na fila para a consulta desmaiou entre as cadeiras. Quem estava mais próximo se afastou meio assustado. As servidoras da recepção acionaram uma equipe médica da central, claro, e o socorro foi feito. O “diagnóstico” instantâneo foi de abuso alcóolico.

Duas ambulâncias estão prontas para os casos de necessidade de internação. Das 15h às 22h, duas pessoas deixaram o local diretamente para leitos hospitalares – o que significa que testaram positivo, com sintomas fortes da doença. Um era idoso, a outra era uma mulher talvez na casa dos quarenta anos. A maioria dos que passam por exames volta pra casa – mesmo que o teste dê positivo. 

Foi o que aconteceu com a pessoa que eu acompanhava. A notícia ruim é que está confirmada a contaminação. O alívio é que os sintomas são leves, com grandes chances de recuperação sem a necessidade de tratamento hospitalar. O único medicamento receitado foi analgésico à base de dipirona. Mas claro que não se pode vacilar. Agora é quarentena absoluta por duas semanas.

Todos que testam positivo – mas podem voltar pra casa – recebem como documento oficial uma “Declaração”, assinada por um médico – no caso que relato aqui foi uma médica. Não vou citar o nome da profissional para evitar uma exposição desnecessária. Brasil afora, esses profissionais têm sido vítimas de preconceito. Até casos de agressão física já ocorreram, como mostrou a imprensa.

Transcrevo agora o que diz o documento (a Declaração) que o paciente recebe após ser diagnosticado com a Covid-19, sem necessidade de internação: “Declaro, para os devidos fins, que o paciente (...) foi atendido no Sesi no dia de hoje. Realizou teste rápido para Covid-19, que deu positivo, necessitando de isolamento domiciliar por 14 dias: do dia 09/05/2020 ao dia 23/05/2020”.

Minha fonte (sob o impacto da notícia de ter contraído a Covid-19) confirmou que, lá dentro, a demora continua na mesma toada. Finalmente começa o atendimento. Após a conversa com a médica – que apura tudo, de modo amplo e detalhado, com objetividade e clareza –, os procedimentos são realizados. E agora sim, há, segundo a paciente, “agilidade, profissionalismo e organização”.

O Brasil ultrapassou a marca de 10 mil mortos. Chegamos rápido ao grupo dos países com maiores taxas de contágio e de óbitos. Um desalento que, descrito assim, em dados e projeções, periga ser subestimado. Na vida de cada um dos milhares de contaminados, e para as famílias de todos eles, porém, tudo pode ser devastador. Na central de triagem para testes, vi isso bem mais de perto.