Jair Bolsonaro na Presidência da República não tem perigo de dar certo. Todo mundo já sabe, mas o capitão voltou a deixar claro que aposta na bagunça, no tumulto e no conflito político. Na noite desta quinta-feira, ele reiterou ataques aos governadores, sempre à base da distorção dos fatos e da reprodução de mentiras a granel. Desta vez, a novidade foi o tiroteio pra cima do ministro da Saúde, Henrique Mandetta. Sim, o presidente expõe publicamente o próprio colaborador de modo delinquente. Alguém aí se surpreende?

Para Bolsonaro, “falta humildade” ao titular da Saúde. Ele tem de saber que existe hierarquia, cobrou o presidente. Fala o amigão de milícias: O Mandetta já sabe que ele não está se bicando comigo. Já sabe disso. Eu não pretendo demiti-lo no meio da guerra. Não pretendo. Agora, ele é uma pessoa que, em algum momento, extrapolou. Parece brincadeira, mas é a trágica realidade.

Imagine você aí no batente. No meio de uma operação de guerra para resolver um eventual problema de proporções devastadoras, o chefe se manifesta para atacar brutalmente a sua atuação. Como ficaria o clima para que você e equipe continuassem a tocar o trabalho? É claro que o ambiente poderia ser chamado de tudo, menos de saudável. É mais ou menos assim com Mandetta.

A entrevista de Bolsonaro eleva a temperatura da crise e o deixa ainda mais isolado. Mas não apenas porque ele foi estupidamente grosseiro com o ministro da Saúde. Falando como se fosse o líder de uma gangue miliciana, e não um chefe de governo, o presidente debochou das instituições, fazendo ameaças aos estados e municípios. Ele quer atropelar as regras que sustentam a federação.

Nesse sentido, a intenção de Bolsonaro fica explícita quando ele fala sobre o isolamento determinado pelos governos estaduais. Vejam: Para abrir comércio, eu posso abrir em uma canetada. Enquanto o Supremo e o Legislativo não suspenderem os efeitos do meu decreto, o comércio vai ser aberto. É assim que funciona, na base da lei. Tudo errado. Nem lei nem canetada.

Agora reparem neste raciocínio de Bolsonaro, que ele expõe logo na sequência da declaração que citei acima: Eu estou esperando o povo pedir mais, porque o que eu tenho de base de apoio são alguns parlamentares. Tudo bem, não é maioria, mas tenho o povo do nosso lado. Eu só posso tomar certas decisões com o povo estando comigo. É o populismo reacionário e golpista em estado bruto.

Então o sujeito trabalha com esta lógica espúria, típica dos ditadores: conta que chegará a hora em que o “clamor das ruas” dará a ele poderes totais. Com esse aval, o presidente poderá baixar um decreto – que já está pronto, ele avisa – para derrubar as medidas adotadas pelos governadores.

Um elemento com a formação de Bolsonaro não entende o que significam os parâmetros de uma república federativa. O capitão da tortura não se conforma com esta regra legal: o presidente não tem poderes para anular, por exemplo, decreto que fecha comércio e escolas em cidades alagoanas.

É por isso que ele diz na entrevista a Jovem Pan que está aguardando o povo “pedir mais” por uma intervenção de sua parte contra os estados. Aí ele acha que vira o rei. Aliás, penso que este seja o ponto mais grave na conversa de Bolsonaro com os jornalistas da rádio bolsonarista. É o autogolpe.

As ideias cretinas de Bolsonaro foram apresentadas na Jovem Pan, como já falei. E o grande âncora a entrevistar o homem foi nada menos que Augusto Nunes. O jornalista continua em forma: bajulou o entrevistado e foi asqueroso ao atacar a própria imprensa a partir de mentiras escancaradas. Não espanta, claro, afinal o cara virou estrela na TV de Edir Macedo. Perdeu o senso e a compostura.