No fim da tarde, encarar o trânsito na região do Centro de Maceió não é para os fracos. Ali nas redondezas da Praça Deodoro, do quartel da PM, da Assembleia Legislativa e da Praça dos Palmares, tem de ter paciência com o fluxo de carros. Já pelos calçadões, a agitação é dos pedestres. Consumidores e ambulantes dividem os espaços ao longo da Senador Mendonça, Moreira Lima, Boa Vista, rua do Comércio... No corredor dos ônibus, em certas ocasiões, o fluxo geral trava por completo. É uma marca da capital alagoana.

Ainda naquelas vias e transversais, da Barão de Penedo à rua das Árvores, com a rua do Sol no meio do caminho, a intensidade de passos e motores mistura cores e barulhos numa coreografia exagerada. A frota e a multidão podem seguir até a praça dos Martírios, a área que recebe todos os que estão se deslocando da parte alta da cidade. Às vezes, ali o trânsito também fica parado.

É assim de segunda a sábado, no eterno ciclo de começo, pausa e recomeço do que chamamos de dia a dia. As exceções naturalmente são os feriados pelos quais todos esperam. Não mais. Desde que o governo estadual decretou o chamado isolamento social, a paisagem mudou radicalmente. Agora todo dia tem cara de feriado, embora isso seja mais visível em alguns lugares do que em outros.

Mas não é a mesma coisa, claro. Tenho a impressão de que predomina uma estranheza no ar. Algo que não sabemos explicar de modo preciso – porque do campo das sensações e até do delírio, talvez. Isso sem falar na arte, como me alertou o camarada Fernando Coelho. No poema clássico, no romance moderno e no cinema contemporâneo, a distopia inventada antecipa a inquietação real.

A imagem que ilustra este texto mostra a praça Deodoro por volta de cinco da tarde. Em dias normais, se mexer por aí é meio bagaceira. Para tirar a foto, parei na faixa reservada aos taxistas – o que daria uma confusão dos diabos se os motoristas estivessem no batente. Mas eles sumiram do pedaço. Enquanto fiquei aí parado, por uns 15 minutos, tudo parecia desfigurado e misterioso.

Percorri alguns bairros para ver o que se passa nas ruas em meio ao isolamento. Nos arredores do meu esconderijo, pontos badalados de pastel, batata frita e churrasquinho, que funcionavam a céu aberto, sumiram da praça e dos canteiros que dividem a pista dupla. É um sinal de que as medidas foram levadas a sério em todas as camadas. Lugares sempre cheios parecem abandonados.

De ontem para hoje, percebi que estabelecimentos que estavam fechados, em obediência ao decreto, reabriram de repente. É o caso daquele mundo de oficinas que toma conta da rua Cabo Reis, que vai da Levada ao Trapiche, passando por Vergel e Ponta Grossa. Bolsonaro tem a ver com isso.

Saindo do Centro, seja na direção do Poço ou do Farol, por exemplo, vamos constatando a mesma situação de geografia deserta, com um ou outro solitário caminhando pela calçada ou saindo de uma farmácia. Quase nenhum carro nos cruzamentos e nas vias principais que ligam diferentes regiões.

Quando se avança para dentro de áreas encravadas nas periferias, aí podemos até pensar que nada de excepcional ocorre no país. Vi ruas estreitas, com suas calçadas tão cheias quanto antes. A partir do começo da noite, as tribos, vamos chamar assim, curtem uma espécie de balada fora de hora.

Nessas partes da cidade, além das aglomerações diante das residências, no meio da rua o movimento também é frenético, com um desfile de motoqueiros e ciclistas. Crianças, jovens e idosos zanzam pra lá e pra cá, levando objetos, virando uma dose ou mostrando uma imagem no celular.

Seja como for, a “alma encantadora das ruas” está diferente. De João do Rio ao nosso Félix Lima Junior, a grande literatura também recorreu à crônica e ao ensaio para dedicar um olhar arguto sobre a energia que só existe lá fora, sem os limites de portas e paredes. A pandemia mudou a lenda real.