Quando o governo Bolsonaro passar, será difícil fechar uma lista de todas as presepadas que por aqui desfilaram pela primeira vez na história do Brasil. O último exemplo dessas aberrações sem precedentes foi um “anúncio” feito pelo presidente incapaz, neste domingo, enquanto passeava por Brasília, afrontando as recomendações médicas para o isolamento social. O capitão disse estar “com vontade” de baixar um decreto pra liberar todas as atividades econômicas. Seria o fim da principal medida preventiva ao coronavírus.

Quando foi que você teve notícia de um governante a anunciar uma “vontade” de decretar isto ou aquilo? Nunca. Porque não faz sentido. Porque um gesto desse fica entre o acinte e o completo ridículo. Ou o governo toma uma decisão e a divulga, ou não decide nada e nada anuncia ao grande público. Especular intenções descabidas acerca de coisa séria é irresponsável, criminoso.

Temos de reconhecer que Bolsonaro é uma máquina de fabricar novidades com esse grau de depravação moral. Além disso, também aqui estaríamos diante de uma estratégia, com o padrão metodológico de sempre: ele joga a ideia para a plateia e espera a reação. Se perceber que há chance de emplacar a infâmia, beleza. Se, ao contrário, houver repulsa geral, troca de assunto.

Nesse aspecto, está claro que Bolsonaro tem chance zero de impor seu Decreto do Caos e da Morte. Com uma postura isolada entre todos os chefes de países do planeta, o demente brasileiro é, ele próprio, um perigoso vírus que ameaça o povo. Por isso, terá de ser contido em seus piores surtos. Se levar adiante a ideia de reabrir tudo e lançar o decreto, será amassado no Supremo Tribunal Federal.

Veja como a situação seria toda explosiva caso vigorasse o desejo do alucinado presidente. Estados e municípios em todo o Brasil vivem o isolamento social, após decisões de governadores e prefeitos. Para manter as populações sob as novas regras emergenciais, a autoridade pode recorrer à força policial. É o que já está ocorrendo aqui e lá fora. O que haveria com uma contraordem do Planalto?

Ninguém sabe ao certo. As polícias, subordinadas aos estados, passariam a desobedecer aos governadores? Em caso de resistência dos gestores estaduais, qual a reação de Bolsonaro? Botar as tropas na rua pra detonar os adversários? Olha, estaríamos a caminho de uma guerra civil.

O eventual decreto do liberou geral seria a crise dentro da crise. Não poderia haver nada de mais trágico a essa altura dos fatos. Um país já agoniado para enfrentar uma pandemia, como se isso fosse pouco, teria de lidar com um conflito político de dimensões perigosíssimas. O clima está pesado.

Nesta segunda-feira, Bolsonaro surpreendeu os que ainda esperam algum bom senso de sua parte. Depois do passeio dominical em Brasília, foi criticado e ridicularizado na imprensa mundial. Em resposta, hoje ele reafirmou a ladainha contra o isolamento e voltou a especular sobre o decreto.

De João Doria a Renan Filho, de Ronaldo Caiado a Wilson Witzel, de Helder Barbalho a Camilo Santana... Praticamente todos os governadores defendem o isolamento e a suspensão temporária das atividades no país. Para eles, portanto, o que Bolsonaro fala deve ser simplesmente ignorado.

A pandemia é um ataque inesperado que a todos surpreendeu e ameaça. Já a reação dos governos, e das autoridades públicas em geral, deve estar à altura do problema, sem atropelos, oportunismos e vaidades. O virtual decreto de Bolsonaro está no campo das excrescências. E por lá deve continuar.