Os seguidores do capitão Jair Bolsonaro, que apoiam cegamente o governo, gostam de exaltar as qualidades dos ministros “técnicos”. É um jeito que a turma tem de responder a qualquer crítica sobre o fiasco que se vê no comando do país. Dizem os narradores de fábula que esse time ministerial dá show de bola na realização de projetos. Eis a lista dos favoritos dos garotões bolsonaristas: Paulo Guedes, Sergio Moro, Tarcísio de Freitas, Tereza Cristina e Henrique Mandetta. Vamos falar de Mandetta, o titular da pasta da Saúde.

Desde que a pandemia do novo coronavírus abateu as primeiras vítimas no país, Mandetta invadiu a programação das TVs, a internet e todos os meios de comunicação. Parece que nas 24 horas do dia, o homem está em entrevista coletiva. Até três ou quatro dias atrás, ele se esforçava para desempenhar aquele papel de “perfil técnico”, longe da politicagem e do terraplanismo ideológico.

Era tudo ilusão. Depois que Bolsonaro incentivou o povo a tomar as ruas, ignorando as medidas oficiais que determinam o isolamento social, Mandetta, ao ser questionado pela imprensa, teve de dizer o que pensa das ideias do presidente. Aí descambou ladeira abaixo com uma afetada retórica, na tentativa de se equilibrar entre a tal postura técnica e a vassalagem ao chefe. Um retrato revelado.

Afinal, ministro, o que está valendo sobre prevenção e combate à Covid-19? É isolamento geral, com as pessoas em casa, ou isso é exagero? Escolas e comércio devem continuar fechados ou podem reabrir? Essas dúvidas chegaram pra cima de Mandetta porque seu ministério diz uma coisa, mas o presidente afirma justamente o contrário. Então neste sábado, o “técnico” tirou a máscara.

Em mais uma entrevista coletiva, o ministro achou por bem comentar o trabalho da imprensa. Fala o tecnicista: Desliguem um pouco a televisão. Às vezes ela é tóxica demais. Há quantidade de informações e, às vezes, os meios de comunicação são sórdidos porque eles só vendem se a matéria for ruim. Nunca vai ter que as pessoas estão sorrindo na rua. Senão, ninguém compra o jornal.

Nas entrevistas, Mandetta fala em ritmo cadenciado, professoral, pronunciando bem as palavras. É como se estivesse numa sala de aula ou num auditório, sendo palestrante de autoajuda. Completa a cena aquela pose de quem se acha a maior autoridade do mundo em sua área. Ele também força uma imagem de uma certa, digamos, diplomacia. A fala sobre a imprensa o desmente.

O ministro anda se estranhando com o presidente. Bolsonaro ficou incomodado com o estrelismo do subordinado, além da irritação pelas recomendações do ministério. Depois das trombadas, os dois tiveram briga feia. E Mandetta resolveu bajular o chefe, ao vivo, sem filtro, em rede nacional de TV.

Por isso a declaração que reproduzi acima. Ao chamar a imprensa de “sórdida”, acrescentando bizarras dicas sobre “desligar a televisão”, o ministro escancara o quanto é falacioso o alardeado rigor técnico de seu trabalho. Quase uma surpresa, Mandetta tomou uma carraspana da TV Globo.

Foi no Jornal Nacional deste mesmo sábado. Após citar as palavras do ministro, a jornalista Ana Paula Araújo leu um texto de 43 segundos, que começou assim: O ministro da Saúde encontrou uma outra maneira de agradar o presidente: criticou o trabalho da imprensa. Uma reação na medida necessária.

Ainda segundo a nota do JN, é “estarrecedor” que o ministro ignore o quanto a imprensa ajuda no combate à pandemia, com informações, esclarecimentos e orientações seguras, sempre com base no conhecimento da ciência. Mas o que não é de estarrecer no governo Bolsonaro? Eu não sei.

Luiz Henrique Mandetta é deputado federal pelo Mato Grosso do Sul. Fora da Câmara para exercer o posto de ministro, está no terceiro mandato. Antes ocupou cargos no serviço público e em grande empresa de plano de saúde. Historicamente é um lobista desse setor. Vive na política há décadas.

Famoso do dia pra noite, o “crítico da imprensa” nunca esteve nos holofotes como agora. A pandemia de um vírus trouxe a glória para um até então Zé Ninguém do Congresso. Dissimulado, o cara botou as manguinhas de fora, gostou do negócio e mostra que sordidez, sim, é com ele mesmo.