A virada do Nordeste: estados controlam contas públicas, investem mais e avançam no social
Mesmo administrados por partidos diferentes, entes atuam cada vez mais em coordenação e conseguem acelerar resultados
Região menos desenvolvida do país, o Nordeste tem se destacado no cenário nacional com uma condição rara: boa situação fiscal, avanço acelerado de indicadores sociais e atração de investimentos privados. Fruto de ações que começaram anos atrás, os estados e as capitais da região, mesmo administrados por partidos diferentes, vivem momento semelhante e atuam cada vez mais em coordenação.
Estão conseguindo investir, feito invejável quando a maioria dos estados, principalmente os do Sul e do Sudeste, luta para manter as contas em dia. Os estados nordestinos estão em melhor situação fiscal e aceleram o passo para reduzir o atraso na área social, com destaque para a educação.
Apesar de avanços, a região ainda sofre com pobreza e taxas de desemprego mais altas que no resto do país. E a segurança pública é um desafio, mesmo com resultados positivos em Pernambuco e Paraíba.
Dos dez estados que mais investem hoje no país, cinco são do Nordeste, segundo dados de Claudio Hamilton Santos, coordenador de Políticas Macroeconômicas do Ipea, que vem acompanhando as finanças estaduais. Ceará e Alagoas despontam na primeira posição, destinando 8,8% e 8,5% de suas receitas ao investimento público.
Segundo Santos, dos nove estados da região, sete já reformaram seus sistemas de Previdência e dois estão com projetos em tramitação. Alagoas, Bahia, Ceará, Piauí e Sergipe, além de aumentarem as alíquotas de contribuição para 14% (obrigação imposta pela reforma da Previdência federal), também fixaram idade mínima, avançando nas reformas. No Sudeste, só Espírito Santo o fez até agora.
— Em geral, os estados do Nordeste estão indo melhor que os do centro-sul e do Sudeste em particular (nas contas públicas). Bahia, Ceará e Alagoas são mais bem geridos. Como dependem mais da dinâmica agrícola, foram menos afetados pela recessão (em comparação com estados industrializados), e a arrecadação sofreu menos. Há estados nos quais a receita já está 10% maior que em 2014 (início da crise) — diz Santos.
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Mais obras públicas
Fábio Klein, economista da Tendências Consultoria, afirma que Alagoas, Piauí, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte têm nota fiscal (que combina endividamento, poupança, liquidez, resultado primário e despesa com pessoal) acima da média nacional. O endividamento baixo da região ajuda nos outros fatores. Nos cálculos da consultoria, a estrela do país é o Espírito Santo. Logo em seguida, vem um estado nordestino, o Ceará.
— Pela nossa métrica, a estrela do Nordeste é o Ceará.
ACM Neto, prefeito de Salvador e presidente nacional do DEM, avalia que os políticos da região entenderam que, sem responsabilidade fiscal, ninguém se reelege:
— Os políticos do Nordeste, seja de qual partido, aprenderam que a responsabilidade fiscal é algo sério. Até por interesse eleitoral. Os eleitores punem os políticos irresponsáveis e populistas.
Manoel Vitório, secretário de Fazenda da Bahia, administrada pelo PT, concorda:
— Houve uma conscientização, que se intensificou na crise, de que é preciso ser responsável fiscalmente.
Com uma ação para racionalizar gastos públicos, a Secretaria baiana da Fazenda conseguiu, entre 2015 e 2019, economizar R$ 4 bilhões, o que representa 8% do orçamento do estado em 2019.
Nenhum dos nove estados do Nordeste tem classificação fiscal baixa no Tesouro Nacional. Três dos sete estados de Sul e Sudeste têm nota “D”. Só o Espírito Santo tem nota A.
Alagoas, que tem nota B, é um exemplo desse avanço. George André Santoro, secretário de Fazenda do estado, diz que as verbas de custeio estão no mesmo patamar que em 2014, menos em educação, saúde e segurança pública:
—Nas demais secretarias, há quase um teto de gastos. Passamos de D para B no Tesouro. Não somos A por causa do nosso endividamento, que ainda é alto.
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A situação mais confortável permitiu ampliar investimentos públicos. No ano passado, foram R$ 600 milhões. Este ano, a previsão do governo alagoano, do MDB, é destinar R$ 700 milhões para obras como duplicação de estradas e a construção de cinco hospitais.
—Temos a pior relação entre leitos e população do país — diz Santoro.
A Bahia também está conseguindo fazer investimentos como a Ponte Ilhéus-Pontal, que ajuda na integração do sul do estado e deve ser inaugurada em março. O estado inicia agora o que é considerada a maior obra pública do país hoje: a ponte Salvador-Itaparica. O projeto de R$ 6 bilhões e 12,3 quilômetros — comparável à Ponte Rio-Niterói, com 14 quilômetros— é uma parceria com empresas chinesas.
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Flávio Dino (PCdoB), governador do Maranhão, diz que o desafio foi grande durante a crise, mas que seu estado nunca deixou de cumprir o Plano de Ajuste Fiscal (PAF), firmado há cinco anos com o Tesouro, nem atrasou salários:
—Reduzimos o custo da gestão (foram R$ 300 milhões a menos em 2019), agimos com probidade, combatendo a corrupção, e ampliamos a receita.
Foco na mobilidade
Dados da Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos mostram que, em 2019, o Nordeste tinha o mesmo número de projetos do setor que o Sudeste: três. Mas, enquanto o VLT e o metrô de Fortaleza estavam em obras e o monotrilho de Salvador dependia apenas de licenças ambientais para funcionar, duas das três expansões do metrô de São Paulo estavam paradas, aguardando solução de problemas legais e licitações, e a terceira estava em fase final de conclusão.
Outro ponto que favorece o avanço da região é a articulação entre governadores, independentemente da cor partidária. Mais que um fórum político, o Consórcio Nordeste, que reúne os nove estados, dá frutos econômicos. Em bloco, os estados oferecem ao exterior licitações em transporte, saneamento e serviços públicos, que podem gerar R$ 33 bilhões em contratos.
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Em 2019, empresas investiram R$ 15 bilhões em Pernambuco, de montadoras ao centro de distribuição da Amazon. Para o governador do estado, Paulo Câmara (PSB), gestão responsável atrai investimento privado:
— As empresas investem mais em estados fiscalmente responsáveis.
Cláudio Frishtak, sócio da Inter.B Consultoria, avalia que a pobreza histórica levou a região a ter compromisso fiscal mais forte. O economista destaca ainda o fim de oligarquias que dominavam os estados:
—O Nordeste vive a antítese da “doença holandesa” (quando há dependência de uma única atividade econômica). É o inverso do Rio. O Nordeste agora vive um boom de energia, com eólica e solar.
Energia limpa
Enquanto o Sudeste explora o petróleo do pré-sal, o Nordeste aposta na energia limpa. A geração eólica já responde por 49,5% da demanda da região e gera renda.
— Se no Sudeste falavam do pré-sal, no Nordeste podemos dizer que vivemos o “pré-vento”. Pequenos produtores rurais viviam, às vezes, com R$ 150 reais de Bolsa Família. Agora, recebem R$ 1.500 por mês por cada aerogerador em sua propriedade, e continuam com espaço para sua plantação—diz Elbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica.
Segundo o Operador Nacional do Sistema (ONS), em 6 de setembro de 2019, o setor bateu recorde de geração, suprindo 88,8% da demanda da região, que concentra 80% dos parques eólicos do país. Rio Grande do Norte, Bahia e Ceará lideram, com 66% da potência instalada. Na energia solar, 70% da capacidade estão no Nordeste.
— O Nordeste é a grande estrela da energia solar do Brasil. Se colocarmos um mesmo equipamento no Japão ou no Nordeste, a geração do Nordeste será o dobro da japonesa — compara Rodrigo Sauaia, presidente executivo da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar).
Matéria publicada no Jornal O Globo de 23.02.2020 no cardeno de Economia.
Jornalistas responsáveis Cássia Almeida e Henrique Gomes Batista