O administrador público da área financeira, em geral, preocupa-se apenas com as informações financeiras básicas. Aquelas que alimentam seu fluxo de caixa. Tem olho no curto e curtíssimo prazo. Não se dedica a analisar seus passivos contabilizados e os contingentes. Seu foco é pagar as contas. Para isso, possui os sistemas orçamentário e de contabilidade como fontes primárias de análise. Acredito que essa atitude cotidiana nos entes públicos é um dos principais motivadores para que, no longo prazo, os Entes Públicos só piorem sua situação patrimonial.

Infelizmente, apesar da grande evolução técnica nos últimos anos, principalmente quanto ao registro e a geração de informações financeiras, o setor público ainda carece de dados gerenciais que indiquem os passivos contingentes e as situações de risco. Diferentemente de empresas listadas no Novo Mercado da BOVESPA que já possuem governança corporativa e a adequada análise de passivos contingentes. Também já possuem a devida maturidade quanto à transparência de sua situação patrimonial perante mercado e investidores. Neste ponto, qual ente público tem conhecimento de seu passivo judicial? E dos seus litígios administrativos? E dos atos de gestão que causam danos a terceiros ou a funcionários? Quem tem sistemas de compliance implantados para mitigar custos e riscos?

Além disso, mesmo os entes mais organizados e bem geridos, não possuem sistema contábil confiável na geração de informações para tomada de decisões estratégicas. Precisamos evoluir muito neste quesito. Não falo apenas na questão da implantação profissional do controle de custos na administração pública. Digo que precisamos implantar um controle de passivos e riscos! Somente assim teremos realmente um modelo de gestão fiscal e patrimonial que traga confiança a investidores e ao mercado financeiro, pois haverá informações gerenciais suficientes para que os gestores políticos tomem decisões sustentadas em avaliação técnica.

Imagine um prefeito que precisa decidir se pode fazer um determinado investimento e, que depois de pronto, gerará uma despesa de manutenção significativa. A maioria olharia apenas o caixa e decidiria. Poucos fariam uma análise fiscal de médio prazo incluindo, além do caixa atual, as obrigações futuras, mas nenhum estudaria seu passivo contingente e os alertas do seu sistema de riscos verificando as diversas possiblidades de choques em indicadores econômicos. Por exemplo: riscos de condenações, riscos ambientais e de compliance. Há cidades que, de tempos em tempos, sofrem com enchentes, mas em raríssimos casos tivemos gestores que analisaram este tipo de risco e tomaram providências fiscais e financeiras para se prepararem adequadamente.

A grande maioria dos Estados que implantaram benefícios fiscais não controlam adequadamente o crédito tributário acumulado de seus contribuintes. Esse passivo é, muitas vezes, o responsável pela queda de arrecadação ou um impedimento do seu crescimento em tempos de boom econômico. Muitos gestores novos ficam sem entender o que está acontecendo. O mesmo poderá acontecer para os entes que adotaram a sistemática da Substituição Tributária por causa do atual entendimento do Supremo Tribunal Federal de que os Estados são responsáveis pelo ressarcimento das diferenças entre o preço efetivo e o arbitrado. Um risco que perdurou por anos nos tribunais, só que os Estados nunca se preparam para o dia que o STF decidisse desfavorável. Poderia, neste ponto, citar dezenas de casos semelhantes na área tributária de União, Estados e Municípios já que somos um dos países com o maior valor em litígios tributários administrativos e judiciais.

Já os riscos previdenciários, como medi-los? Pouquíssimos entes públicos têm sistemas de informação de pessoal adequados ou mesmo planos de cargos e salários compatíveis com a previdência capazes da geração de um capital suficiente para quitar aposentadorias e pensões. A maioria deles não faz qualquer sentido atuarial. Em menos de 10 anos o funcionário já alcança o topo da carreira ou possuir um escalonamento de crescimento salarial premia os últimos anos da carreira. Assim, em geral, temos aposentados e pensionistas com médias salariais sempre superiores que os da ativa. É preciso entender a formação deste passivo para poder tomar as decisões corretas para diminuir o endividamento público e gerar a solvência fiscal.

O conhecimento e o preparo da gestão pública para lidar com passivos e riscos é fundamental. O gestor que conhecer bem seus passivos e riscos pode conseguir diminuir seu endividamento com medidas tomadas em momentos de bonança na arrecadação ou, em oportunidades por mudança de legislações ou mesmo fazendo negociações seguras e firmes com credores estabelecendo um fluxo de pagamentos crível. Assim, acredito que gerenciar riscos e passivos no setor público é um passo que precisamos dar no Brasil. Estamos atrasados!

George Santoro