Há mais de dois mil anos a Igreja Católica celebra a Semana Santa. Durante o período, os cristãos realizam penitências, acompanham celebrações e fazem jejum. Muitas famílias ainda mantém tradições, costumes e valores repassados por gerações e que, com o passar dos anos, parecem ter ganho um caráter mais cultural que espiritual. Algumas famílias alagoanas, principalmente as que residem no interior do estado, ainda celebram a Semana Santa conforme as tradições e costumes passados por gerações anteriores.

Espelhos cobertos e bênçãos de joelhos

 A dona de casa Jacira Barbosa, lembra que na sua infância a Sexta-Feira Santa passava-se com certo luto. As conversas eram sempre em tom baixo, rádio e TV não eram ligados, não comiam carne e nenhum tipo de limpeza era feito na casa.

“Minha mãe cobria os santos e os espelhos da casa, não havia nenhum tipo de demonstração de vaidade. Lembro que até a benção dos pais, tios e padrinhos dávamos de joelhos. Os mais velhos fazia jejum e alguns nem banho tomavam na Sexta-Feira da Paixão”, relata a dona de casa.

Hoje, aos 76 anos, Jacira, que mora no bairro da Gruta, em Maceió, diz que mantém alguns hábitos antigos, de luto e reflexão, mas que convive com mudanças consideráveis na forma como os cristãos celebram a data. “Alguns veem a data como um feriadão, viajam e comem muito, mas para mim é uma data para se recolher, pensar nas suas atitudes e no próximo”, analisa.

Celebrações, abstinência de carne e jejum

Para a arapiraquense Flora Maria Souza, devido a sua criação a celebração da Semana Santa já inicia no Domingo de Ramos, com procissão, missa e confissão. Toda a família já faz abstinência de carne a partir da Quarta-Feira Santa e passam a comer comidas tradicionais da data, alimentos com coco e bolos típicos.

“Procuro acompanhar todas as celebrações da igreja. É Importante para mim todas as formas de penitência, em oferecimento a todo sacrifício de Jesus por nós. Sigo as tradições desde criança, mas os costumes eram mais rigorosos, era como um luto mesmo”, ressalta.

Flora explica que tem que tomar remédios diariamente e que, por esse motivo, só faz jejum na Sexta-Feira Santa com apenas duas refeições diárias e um desjejum pela manhã. Ela conta que a data é importante para reunir a família, que compartilha do respeito as tradições e da renovação da fé, mas lamenta que o tempo tenha feito mudanças e que muitos não respeitam a data da forma devida.

“A cada ano as coisas vão se modificando, talvez pela diversidade de religiões. Há também pessoas que não entendem o sentido da data e confundem essa época, de reflexão e reconciliação, com uma festividade qualquer. Muitos ainda curtem de modo desrespeitoso”, lamenta a aposentada.

 “Não visto roupa vermelha e não lavo o cabelo”

Moradora de Dois Riachos, no Sertão alagoano, e com uma família grande, a auxiliar de serviços gerais Maria das Dores Correia, conta que desde a infância foi educada para respeitas com muito zelo a Semana Santa e que busca manter os costumes ensinados na sua família.

“Minha mãe já mantinha esses costumes dos antepassados e hoje, depois de mais de 50 anos, busco conservar na minha família. Nós não comemos carne da Quarta-feira Santa até o Sábado de Aleluia. Não visto roupa vermelha na Sexta-Feira Santa e não lavo o cabelo. Cubro os espelhos e busco manter o silêncio em casa”, destaca.

Para Maria das Dores, as tradições da Semana Santa estão sendo deixadas de lado, mas é importante manter esses costumes durante o período, porque são dias que se deve ter muito respeito. Ela afirma que todos os anos, na Sexta-Feira da Paixão, a família participa das celebrações e que ela e os filhos pedem a benção ajoelhados, aos parentes e padrinhos. Dorinha, como é carinhosamente chamada, diz que também faz jejum. “Não me alimento pela manhã, nem água tomo. Faço apenas duas refeições durante toda a Sexta-Feira Santa”, frisa.

“Tradições deveriam ser respeitadas, pois são uma maneira simples de professar a fé”

As mudanças na forma como os fiéis têm celebrado a Semana Santa, nos últimos anos, tem relação com uma crise de fé que a humanidade passa atualmente, diz o padre Sérgio Augusto Faria Vidal, que há anos comandou a Paróquia Nossa Senhora da Guia, no município de Satuba, região Metropolitana de Maceió.

Recém enviado para conduzir uma paróquia em Ubatuba, Minas Gerais, padre Sérgio fala que a crise de fé é provocada por outros fatores como falta de referências, crise de identidade, crise nas instituições. O que tem levado as pessoas a incredulidade, rompendo com o passado, com sua história, crescendo sem raízes.

“Tudo isso tem levado o povo a uma certa descrença, a falta de interesse em se aprofundar nos mistérios de fé, na liturgia, na espiritualidade cristã, no compromisso com o próximo. Muitos preferem aproveitar a Semana Santa como uma semana de descanso, passeio, de lazer, etc. Estamos passando hoje por uma cultura do descartável, do relativismo, individualismo, isso provoca um rompimento em relação a tradição, seja religiosa, familiar, etc.”

Padre Sérgio explica que tradições como não comer carne, cobrir espelhos e santos, evitar fazer limpeza no lar, não comercializar nem comprar produtos, entre outras são tradições ou superstições vindas de nossos antepassados, que deveriam ser respeitadas, pois são uma maneira simples de professar a fé e que levava o povo a rezar. No entanto, o padre lembra que deve-se purificar algumas superstições que podem levar a uma dependência psicológica.

“Hoje podemos dar um passo a mais, purificando certas superstições que podem nos levar a uma dependência psicológica, pois o mais importante é centrar-se no mistério pascal de Cristo, ou seja, no seu amor misericordioso até as últimas consequências. Dar a vida pelos nossos irmãos, familiares, pobres, como Jesus fez. Esse é o ato mais importante, que não anula os demais”, ressalta o sacerdote.

Sobre o jejum, padre Sérgio diz que é importante para que as pessoas abram mão daquilo que gosta, além de ajuda-las a controlar seus impulsos e abrir um espaço na sua vida e no seu interior para a presença de Deus.

“A importância do jejum, nos ajuda, através de um esforço ascético, a abrir mão daquilo que gostamos, nos ajuda a controlar nossos impulsos, para que abra um espaço em nossa vida, em nosso interior à presença de Deus, que preenche o “vazio” que ficou com a ausência do alimento ou de alguma outra coisa que estávamos acostumados a fazer diariamente. O jejum, mais do que a ausência de um alimento é a capacidade de passarmos de nosso egoísmo para um estado de compaixão ao próximo. Nesse sentido pode ser complementado por uma obra de misericórdia para que se possa encontrar Cristo naquele que sofre”, explica.

Na doutrina católica, o jejum é obrigatório em dois momentos do ano, na Quarta-Feira de Cinzas e na Sexta-Feira Santa. Devem ser feitos os jejum de comida e abstinência de carne.

Padre Sérgio afirma que no período da Semana Santa, refletir sobre a Paixão de Cristo faz nascer, cada dia, nos corações a luz de uma nova esperança que na grande vigília pascal brilhará para todo o mundo. “Essa reflexão nos ajuda a professar a fé, a descobrir o sentido do pecado, a familiarizar-se com a cruz de Cristo, a encarar-se com as injustiças deste mundo e a saber lidar com o sofrimento”, concluiu.

 

*Estagiária sob supervisão da editoria.