A distribuição, pelo Conselho Regional de Psicologia de Alagoas (CRP-AL), de panfletos com orientações sobre como melhor utilizar drogas ilícitas, gerou polêmica dentro e fora das redes sociais. Na sessão desta quarta-feira (27), o assunto ganhou destaque na Casa de Tavares Bastos.
O deputado Cabo Bebeto (PSL) anunciou que irá denunciar o Conselho à Polícia Federal por apologia ao crime, em razão dos panfletos distribuídos pela entidade durante o Jaraguá Fest, realizado no final de semana passado.
Já Dudu Ronalsa (PSDB) e Flávia Cavalcante (PRTB) cobraram esclarecimentos do CRP sobre a ação.
Além de sugerir que os conselheiros sejam convocados à Assembleia Legislativa, a parlamentar também questionou a forma como os psicólogos estão atuando em Alagoas: “É um absurdo, um grupo de psicólogos distribuir um panfleto como este, estimulando e ensinando o uso das drogas. Isso é inadmissível”, destacou Flávia.
Francisco Tenório (PMN) e Ângela Garrote (PP) também fizeram coro às críticas e defenderam que o Conselho incorreu em apologia ao crime.
Depois que o panfleto viralizou, o CRP divulgou uma nota de esclarecimento. Conforme a Comissão de Direitos Humanos do CRP, a ação educativa foi pautada na Política de Redução de Danos (RD).
Confira a nota, na íntegra:
A Comissão de Direitos Humanos do Conselho Regional de Psicologia de Alagoas (CRP-15) realizou no último dia 22 de fevereiro, uma ação educativa sobre a Política de Redução de Danos (RD) no Jaraguá Folia.
A RD se configura como um conjunto de princípios e ações para abordagem aos problemas relacionados ao uso abusivo ou não de álcool e outras drogas. É uma estratégia usada nacional e internacionalmente por instituições formuladoras de políticas sobre drogas e está vigente nas práticas de cuidados no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) reconhecidas pelo o Ministério da Saúde via Portaria n° 1.028 de 1 de julho de 2005, e fazem parte do rol de práticas dos Centros de Atenção Psicossocial de Álcool e outras Drogas (CAPS AD). A RD é respaldada também pela Secretaria Nacional de Política sobre Drogas (SENAD) e se expressa em um movimento de não criminalização do usuário(a).
Essa política visa a prevenção/redução de danos sociais e à saúde decorrentes do uso e/ou abuso de álcool e outras drogas e de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST’s), suas ações estão presentes no Brasil desde meados dos anos 80. A proposta é atuar de modo a desviar-se de práticas discriminatórias que levam a um processo de estigma e isolamento de pessoas que fazem uso dessas substâncias, propondo assim, uma via de cuidado em saúde a partir do respeito à autonomia dos sujeitos.
Assim, o uso consciente é compreendido como uma forma de prevenção, não tendo a abstinência como a única via de tratamento. Nesse sentido, a abstinência poderá fazer parte do processo de cuidado, mas sempre respeitando a decisão dos sujeitos em toda prática interventiva.
Não cabe na atuação de profissionais da psicologia e das áreas da saúde e assistência social de modo geral, propor uma prática de atuação a partir do que considera moralmente certo/errado. Assim, é importante ressaltar ainda que com base na proposta da RD os(as) profissionais estão comprometidos(as) com uma forma de tratamento in loco, sem retirar os sujeitos do convívio familiar e comunitário indispensável para os cuidados em saúde integral, além de efetivar o debate social sobre a questão, ao invés de simplesmente trancafiar e afastar essas discussões da sociedade, como se fossem invisíveis.
Entendemos que o tema “drogas” ainda é tabu na sociedade sendo abordado sempre de forma dramática e catastrófica, por isso, o preconceito e o estigma associados ao usuário de drogas e também às ações de redução de danos. No entanto, na literatura produzida por profissionais e pesquisadores(as), a RD é apresentada como uma medida de prevenção adequada e eficaz na redução de danos sociais e a saúde de usuários(as), podendo em muitos casos ter a abstinência como resultado final, sem que isso tenha sido uma exigência verticalizada. Associarem “redução de danos” a apologia ao uso de drogas é um sintoma da desinformação. E um sinal verde de que temos muito a avançar na desconstrução desse estigma. Não há possibilidade de tratamento sério sem que tabus sejam quebrados e haja uma ampla discussão sobre um assunto que atinge direta ou indiretamente a todos(as).
Sabemos que no carnaval o uso de substâncias psicoativas lícitas e ilícitas aumenta, e o tabu que gira em torno do consumo dessas substâncias acaba gerando formas de uso que potencializa os prejuízos acarretados. Deste modo, o (Res)PIRE: reduzir para aproveitar, através de uma intervenção psicoeducativa buscou levar informações à população com foco na adoção de práticas que diminuíssem os danos para aqueles(as) que usam drogas e para os grupos sociais com que convivem.
Estudantes e profissionais participaram desse momento importante para a Psicologia alagoana, mostrando que o cuidado ao outro pode acontecer em todos os espaços. É preciso construir redes e práticas de cuidados em saúde que possibilitem a dignidade da pessoa humana.
É preciso falar sobre redução de danos, do cuidado de si, e cuidado do outro. Isso significa saúde mental.