Marta Nunes, gaúcha, militante negra e professora adjunta da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, escreve:
(...) Por que não temos produções bem feitas sobre a escravização de negras e negras no Brasil? Histórias heróicas ou comuns, como a da minha bisavó, Maria Flaubiana Ferreira.
A imagem de uma lápide de cemitério é dela, que nasceu em 1885, portanto, de ventre livre (de 1871).
Mas, somente a minha bisavó era livre, a mãe dela (minha tataravó) e certamente o pai, eram escravizados. Sendo assim, a minha bisavó, nascida livre, acabou ficando junto da mãe, escravizada, com os seus donos no interior da Bahia.
Em bom português, Flaubiana, mulher LIVRE, continuou servindo aos senhores, como se escravizada ainda fosse.
Alguns anos depois ela conheceu meu bisavô, um mascate (segundo conta a mãe) que queria desposá-la. Os "donos" até permitiram, mas mediante o pagamento de uma quantia. Ou seja, foi colocado um preço a ser pago por ele para poder casar com ela, mulher livre, segundo a lei brasileira.
Quer dizer, a minha bisavó, de ventre livre, mulher nascida livre, segundo as leis, teve que pagar para obter aquilo que já era seu de direito,a liberdade!
Vocês têm noção do que significa isso? Vocês sabem que como a minha bisavó Flaubiana, isso aconteceu com milhares de outras negras e negros neste Brasil, E que agora não tem nada a ver com o que aconteceu com os nossos antepassados?
Então, racismo reverso não existe. Cotas são gotas. E este país nos deve até a alma.
Fonte: Marta Nunes