A restrição de recursos federais para investimentos em pesquisa científica é um dos fatores que podem agravar o atraso do Brasil em relação ao desenvolvimento tecnológico e à obtenção de patentes. É fato que, em nível nacional, os últimos anos têm sido críticos para a ciência em decorrência da redução de verbas por parte do Governo Federal. Isto coloca em risco a continuidade de um ciclo que começa ainda no ambiente acadêmico, com a ciência básica, e que pode acabar entre papeis caso não haja recursos para colocar em prática o resultado de anos de estudo. Em Alagoas, os cortes apresentam reflexos e preocupam especialistas e pesquisadores.
Com vasta experiência e um dos nomes de referência nacional do sistema patentário, o professor doutor Josealdo Tonholo ressaltou que, em relação às patentes, a falta de recursos implica no fator competitivo alagoano em relação aos demais estados. Pró-reitor da rede do Programa de Pós-Graduação em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para a Inovação (Profnit), Tonholo contou que a Universidade Federal de Alagoas (Ufal), que é a maior depositante de patentes no estado, costumava tradicionalmente constar no ranking dos 50 ou 100 maiores depositantes do Brasil, mas a falta de recursos foi prejudicial à produção.
“A Ufal sempre esteve positivamente nos rankings, mas nos últimos dois anos sofreu uma queda significativa em relação aos depósitos de patentes no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Isso se deve à falta de recursos para fazer ciência e desenvolvimento tecnológico. Os laboratórios da Ufal já não estão ficando mais competitivos em relação às outras universidades brasileiras e internacionais. É algo preocupante porque pode matar um ciclo que começou 15 anos antes, com o desenvolvimento de ciência básica, e não foi para frente na hora de fazer a ciência aplicada. Assim, morre uma possibilidade de nova tecnologia no mercado”, disse o pró-reitor.
A queda na produção da Ufal pode ser explicada pelos cortes de orçamento por parte do Ministério da Educação às instituições federais, que, no ano passado, receberam o menor investimento do Governo Federal nos últimos dez anos. Para 2018, o orçamento previsto da Ufal é de R$ 849 milhões aproximadamente. No entanto, apenas R$ 9,4 milhões do valor total devem ser utilizados até o final do ano para investimentos – mais de R$ 715 milhões são destinados aos custos com encargos sociais e pessoal. Segundo dados divulgados pela Pró-Reitoria de Gestão Institucional, levando em consideração o orçamento de três anos atrás, há uma queda de 85% no orçamento previsto para manutenção física e estrutural da instituição.
Segundo Tonholo, as universidades – englobando as públicas, privadas e institutos federais – correspondem mundialmente a um percentual alto do sistema patentário. Segundo dados do INPI, anualmente são recebidos 30 mil novos pedidos de registros de patentes. Para a continuidade do nível de produção, Tonholo reforçou a necessidade dos investimentos e falou sobre a realidade dos pesquisadores no país.
“Somente podemos chegar ao nível de desenvolvimento tecnológico que vai resultar em uma patente se houver infraestrutura de pesquisa adequada na academia, incluindo reagentes, insumos e equipamentos para fazer pesquisas de qualidade. Infelizmente, em nível nacional, as fontes de recursos para fazer ciência e desenvolvimento tecnológico diminuíram muito nos últimos cinco anos e já estamos sofrendo os impactos disso, principalmente nas universidades públicas. Os equipamentos estão ficando obsoletos e o custeio diminuiu. A gente não consegue mais trabalhar em pé de igualdade com a ciência mundial e, assim, não temos produtos que sejam suficientemente inovadores passíveis de patentes”, acrescentou.
Ao reforçar a necessidade de investimento em desenvolvimento tecnológico, Tonholo destacou a importância da patente. Ele ressaltou que o termo é popularmente conhecido – maior parte das pessoas já ouviu ou falou em patentear uma ideia ou produto, mas pouco se sabe sobre como funciona o mecanismo. Para o pró-reitor, “há muito estigma sobre o sistema patentário, mas, na verdade, é algo que faz parte do dia a dia de qualquer pessoa”.
“Quando você acorda e toma um iogurte, está lá escrito: patente requerida. Quando você pega um garfo que é feito por uma fabricante de metal, este produto tem um desenho industrial que é protegido. Maior parte dos itens que a gente consome possui algumas proteções patentárias. Via de regra, as pessoas acham que a gente faz patente de um produto como um todo, mas na verdade, cada invenção que está em um produto cabe uma patente diferente. Um exemplo típico é o barbeador de três lâminas, que tem duas mil patentes em um nível mundial. Ou seja, um produto pode ter várias patentes, elas estão conosco o tempo todo”, exemplificou.
Tonholo também enfatizou o período de validade da patente concedida pelo INPI. “A patente é uma carta de outorga que de dá o direito de exploração sobre um invento que você desenvolveu e está pedindo a proteção. O governo te dá 20 anos para fazer a exploração da invenção. Enquanto você tem o direito de fazer a exploração comercial, de produzir de industrializar o invento, em contrapartida você deve contar para o governo e para a população como é que funciona a invenção. Após 20 anos, essa invenção que está protegida por uma patente vai cair em domínio público e, em princípio, qualquer um vai poder copiar a ideia”, disse.
Enquanto as universidades são penalizadas em decorrência dos cortes de orçamento por parte do Governo Federal, fundações e instituições seguem na contramão para colaborar com o desenvolvimento tecnológico por meio de investimentos em projetos e iniciativas inovadoras. Um dos exemplos é a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (Fapeal), que tem realizado um expressivo aporte financeiro a pesquisadores alagoanos. Entre 2016 e 2017, a contribuição da Fundação ultrapassou os R$ 31 milhões por meio do financiamento de editais.
“A Fapel financia diversos editais ligados diretamente à inovação tecnológica e outros que não são diretamente ligados a este tema, entretanto todos os nossos editais geram artigos ou produtos passíveis de proteção. Hoje, o posicionamento da Fapeal é que a proteção do produto que tenha a propriedade intelectual tem que ser prioritariamente em nome dos outorgados, ou seja, a empresa, a instituição de ensino superior, professor orientador e os alunos envolvidos no projeto. A Fapeal tem se isentado dos custos e dos ganhos de uma possível proteção de uma patente, transferindo tudo isso aos outogardos”, enfatizou Juliana Khalili, que é coordenadora de projetos especiais e inovação da Fapeal.
Ao explicar que a Fundação tem buscado instituir uma política de propriedade intelectual, Khallili ressalta que estão previstos novos editais ligados à inovação tecnológica em 2019.
“É importante dizer que todos os outogardos e pesquisadores que geram produtos passíveis de proteção precisam fazer referência ao apoio da Fapel ou de qualquer outro financiador que estiver junto em algum projeto, livro, resumo, artigo, tese, produto ou processo novo. Temos lutado por uma politica de propriedade intelectual para a nossa fundação e, apesar de hoje não existir esta política, estamos construindo algo neste sentido para o próximo ano a partir de novos editais”, acrescentou a coordenadora.
A restrição de recursos federais preocupa pesquisadores em decorrência dos reflexos no processo de obtenção de patentes, mas, mesmo diante de dificuldades, o trabalho continua no campo acadêmico. Bons exemplos podem ser vistos no Centro de Ciências Agrárias (Ceca) da Ufal, onde a produção não para. O professor Eduardo Ramalho e seus alunos já tiveram 10 patentes concedidas e trabalham em outros projetos.
Recém patenteado, em 16 de outubro, o Kit Biotecnológico para Processamento de Touch DNA contém três componentes e pode ser usado na elucidação de casos de polícia. Com fitas adesivas com uma solução retentora em sua composição, o material ajuda na captura de células na cena de crimes. “Nosso kit já ajudou a identificar dois assassinos com o DNA das células deixadas em uma moto”, contou Ramalho.
Repelente natural, sabão antifúngico, detergente biotecnológico e blocos glicerinados repelentes estão entre os produtos desenvolvidos no Ceca. A comercialização esbarra em questões burocráticas, como aponta o professor. “O mais difícil é fazer chegar ao mercado. Muitas pessoas que já conhecem o que produzimos, vão lá até nosso laboratório”, afirmou.
O repelente produzido no Ceca é natural e, por esta característica, pode ser usado por todas as pessoas sem restrição de idade. “É um produto tão importante, sem composto químico. É uma novidade no mundo, já que é sem princípios ativos Usamos plantas conhecidas que, inclusive, fazem parte da nossa alimentação. É uma pena que ainda não tenhamos conseguido fazer a comercialização em larga escala”, frisou Ramalho.
O resultado das pesquisas básicas ou aplicadas podem resultar em produtos que, muitas vezes, geram inúmeros benefícios para a humanidade. “A pesquisa científica se divide do ponto de vista da aplicabilidade. A básica deriva da base do conhecimento, muitas vezes de projetos simples, que podem ou não levar à aplicação prática. Pode levar a um produto ou a um serviço inovador ou experimentos. A pesquisa aplicada lida com patentes, registros de propriedade intelectual, que são a mola-mestra do desenvolvimento. Muitas patentes de sucesso contribuem para melhorar a qualidade de vida da população”, detalhou Ramalho.
O professor destacou também que a pesquisa básica tende a ser desenvolvida na academia, enquanto a aplicada é uma ação mais vinculada à indústria. “Muitas vezes os pesquisadores, nas universidades, têm bons produtos, que podem resolver problemas cruciais de uma população local, mas se deparam com um aparato burocrático capaz de frear o desenvolvimento da pesquisa. Isto é um problema generalizado no nosso País”, opinou.
Órgãos e entidades como o CNPQ, Fapeal, do Banco do Nordeste, Universidade de Londres, Unesco e ONU têm financiado a pesquisa no estado, de acordo com Eduardo Ramalho.
Um equipamento usado para o controle de pragas agrícolas é um dos produtos patenteados na Ufal. O projeto foi desenvolvido pelos professores Antonio Euzébio Goulart Santana e Lúcia Rebouças, com os estudantes Cintia de Almeida Cabral, Agciel Bezerra Alves e Audenir Pinheiro.
O painel, usado por agricultores, tem feromônios para atrair insetos, que ficam presos no equipamento com uma cola. Ele pode ficar por meses no campo, necessitando da troca do produto que leva os insetos até ele.
A pesquisa desenvolvida na Ufal, que resultou na elaboração do painel, é financiada por meios federais, como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Agência Financiadora de Inovação e Pesquisa (Finep), e pela Fapeal.
Apesar da concessão da patente, o professor Antônio Euzébio disse que a pesquisa não terminou. “Vamos mudando de projeto, melhorando o conhecimento e acrescentando coisas, novidades O trabalho nunca para”, afirmou ele, que há mais de 40 anos é docente na Ufal.
Sobre os projetos, o professor destaca que, além do conhecimento, ele deseja que seus estudos resultem em algo que possa ser útil para a sociedade. “A importância de pesquisa é a formação do pessoal e geração de conhecimento. Mas produzimos não apenas conhecimento, levamos produtos para atender à necessidade local”, colocou ele, que está com cerca de 10 outros projetos no processo patenteário.
Lotado no Centro de Ciências Agrárias da Ufal, Antônio Euzébio é um entusiasta da pesquisa científica. “Trabalho todos os dias, sete dias por semana. Oriento alunos de graduação, mestrado e doutorado. Sou muito feliz, mesmo depois de mais de 40 anos, trabalhar nesta produção na Universidade”, finalizou.