Eu o conheci assim meio de supetão, a partir das informações virtuais. Ele era racista afirmavam as notícias que chegavam em enxurrada, via redes sociais e tinha a manchete: "Loja de Maceió vende móvel com nome tronco dos escravos." Precisávamos organizar a artilharia para combatê-lo- diziam muitos.
Eu, decidida, comecei a escrevinhar uma matéria para o blog, mas, antes resolvi ouvir a voz do bom senso e saí à caça da fala do arquiteto responsável. Encontrei-o. Seu nome é Marcos Batista. Ele é um sujeito tranqüilo. “Tive uma educação muito marcada pelo respeito ao ser humano e prezo muito pela minha espiritualidade e a das pessoas”, diz o arquiteto. Interrompendo, quase abruptamente a fala, pergunto-lhe sobre o móvel que estabeleceu conversas ácidas nas redes sociais: o Buffet tronco dos escravos. Ele esboça um gesto de muito incomodo e destrincha toda história:
"Eu fui contratado, como arquiteto e empresário, para desenvolver, com um grupo de 20 marceneiros, um trabalho de enaltecimento a História Negra e do Quilombo dos Palmares.
Minha função consistiu no repasse metodológico do design para este grupo de marceneiros, que a partir das orientações, desenvolveram obras de uma simplicidade e beleza incríveis. Nossa proposta é a plena valorização do olhar dos aprendizes.
Os marceneiros desenharam, esculpiam e davam nomes que tivessem significados e significantes para eles, daí surgiram a Cadeira Zumbi dos Palmares, Estante União dos Palmares, Aparador Liberdade, Luminária Berimbau e entre elas, o Buffet tronco dos Escravos, infelizmente o foco da discussão.
Quando um dos aprendizes esculpiu o móvel e nomeou-o como Buffet tronco dos escravos quis, a partir de uma concepção própria, perpetuar em texturas e linhas, a força e resistência de um povo que não se vergou às chicotadas e aos castigos cruéis. O propósito do projeto era resgatar a luta pela liberdade. Então não podemos falar em racismo deliberado.
O móvel criticado com o nome Tronco dos Escravos (2016) nunca esteve à venda. Nunca foi de cunho comercial. O nome no catalogo era apenas para referência dos arquitetos. Como profissional de arquitetura trago um propósito de vida: Fazer com que jovens e empreendedores entendam que podem ser protagonistas de mudança para um mundo melhor e a partir dessa permissa temos outros trabalhos desenvolvidos em Alagoas.
E ele vai discorrendo sobre personagens e fatos que conheceu como consultor das muitas ações, junto a comunidades carentes e invisíveis.
Fala sobre o Carlos Jorge, morador do bairro Vergel do Lago, em Maceió e desde 2015 atua em projetos sociais, levando sonhos e realizações à comunidade que sofre com a ausência do estado e de políticas públicas, com o Projeto Manda Ver.
“Esse rapaz é um empreendedor e tem uma força incrível para transformar o Vergel, um bairro tão criminalizado.”-diz Marcos.
O bairro Vergel do Lago é o 7º mais populoso de Maceió, segundo censo do IBGE e fica localizado às margens da Lagoa Mundaú, na parte baixa da cidade. O bairro é característico de ocupações de favelas e cortiços, a exemplo da favela Sururu do Capote.
E as recordações de Marcos vão compondo histórias
Conheci pessoas fantásticas, em Alagoas, como a Cléa Mascarenhas, da Secretaria de Palmeira dos Índios, Eliana Sá do IEL.
Em nenhum momento passaria pela minha cabeça exaltar instrumentos que tanto mal fizeram para um povo, para a humanidade. Quem, verdadeiramente, conhece minha história sabe que as notícias veiculadas foram maldosas.
... enfim o que me deixou muito abalado foram os julgamentos e ofensas do que realmente não sou.
E continua:dessa história toda aprendi uma lição: a rede social tem o poder de criar, proteger, educar, mas, também, de uma forma agressiva, pode degradar, humilhar, odiar, destruir e matar pessoas e suas histórias.
Uma violência substantiva quase igual aquela exercitada no escravismo.Não, nem todo branc@ é racista- finaliza
Eis a outra versão da história, contada pelo arquiteto Marcos Batista que o blog registrou e compartilha.