É manhã friorenta de sexta-feira e na beirada da praia de Jatiúca, em Maceió, Alagoas, uma mulher de pele preta, a  Quitéria e um cabra com os olhos melados  travam uma  discussão acirrada, tendo como objeto de disputa  uma garrafinha de cachaça.

Ela é alcoólatra e assume o vicio. Não consigo ficar sem beber.  Passei 6 meses internada no Lar Bethania,quando sai minha ex-patroa me levou pra casa dela, mas, logo voltei a beber novamente, e agora acho que estou pior de que quando entrei lá.

E a conversa é entranhada com recordações dos tempos da infância. Aprendi a beber com meu pai. Quando eu tinha 4 anos ele  me ofereceu um gole de cachaça e eu gostei. Foi ele que  me ensinou a beber cachaça. E eu pergunto: Ele bebia muito?

Ela ri, um riso ferido pelos abandonos cotidianos - Õxe,moça ele morreu de tanto beber.

Insisto na história parental. E tua mãe, Quitéria bebia também?

-Bebia não, ela se amostrava. Também está morta- afirma. Vivo só tenho um irmão.

Pergunto pelo Júnior, seu cão-companheiro. E recebo a notícia que Júnior foi atropelado.

Quitéria alheia ao entorno continua no seu monólogo:- Está  vendo essa mulher feia que sou eu, moça? Já fui uma cozinheira de mão cheia ,de forno e fogão e até banquete para aniversários fiz.

Meu ex-patrão diz que a peixada que faço é pra comer de joelhos. Ela me fala de lembranças cambaleantes na memória, tontas, espaçadas no tempo do ontem, do agora, sem menção de futuro.

E resume sua vida numa fala fatigada: Eu já fui muita coisa. Hoje não sou mais ninguém. Agora não sou mais nada. Só sou cachaça.

A Quitéria diz que tem 58 anos e mora nas ruas.

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