Winnie Bueno (Rede de Ciberativista Negras RS), que é bacharel em Direito, e pós graduanda em Direito Público, escreve:

 

“Essa escrita é direcionada para as pessoas próximas de mim, as pessoas brancas próximas de mim que acham que "temos que escolher melhor nossos inimigos”.

Primeiro de tudo: esse cara nem sabe que eu existo. ele não é meu inimigo. Meu inimigo é o racismo patriarcal. e mesmo que vocês busquem textos, vídeos, imagens do moço falando do privilégio dele para demonstrar o quanto ele é aliado, que a gente precisa aprender com ele e que estamos dando tiro no pé,a foto do moço branco, sorridente, gordo, em meio a incontáveis pés de maconha funciona para mim como gatilho.

É, assim como imagens de outras coisas tóxicas funcionam como gatilho para vocês mulheres brancas. Como imagens de bonecas de ceras que são utilizadas por abusadores sexuais deixam vocês mal e eu respeito. Quando vocês ficam fragilizadas com bonecas que são utilizadas para fetiches sexuais organizados em violências e pedem para que não publicize a gente respeita o gatilho, respeita mesmo, a gente não fica querendo mensurar o que isso significa pra vocês, mesmo porque, as vezes, significa o mesmo pra gente.

A foto do moço branco, sorridente, gordo, em meio a incontáveis pés de maconha é um deboche de seletividade racial do sistema penal e da geografia de morte organizada pelo racismo patriarcal que mata homens e mulheres pretas iguais a mim. e para mim, é um gatilho muito pesado.

Enquanto homens e mulheres pretas iguais a mim apodrecem nas cadeias com doenças evitáveis, morrem e nem ao menos tem direito a um rito fúnebre decente, rostos pretos encovados, magros, com olheiras profundas de quem não dorme porque em uma cela para 10 tem trinta, aguardando julgamento por causa de uma quantidade de maconha muito menor do que essa que esse moço gordo, feliz e contente estampa em uma foto com defesa e endosso. Enquanto pessoas pretas morrem com quantidades ínfimas de maconha, essa foto, desse homem gordo, feliz, vivo, funciona para mim como um gatilho. Aviso de teu privilégio branco pesado.

Gera em mim angústia, dor e lágrima pesada presa na garganta a foto do Gregório.

Porque o Gregório tá vivo, gordo, feliz e vai seguir assim,
enquanto isso mulheres como eu não dormem, pessoas como eu não conseguem jamais sorrir, algumas inclusive politicamente abrem mão da maconha, porque sabem que nesse país há homens brancos, gordos e saudáveis vivos em meio a plantações de maconha enquanto todos os outros morrem secos, pretos e sozinhas por causa de meio beck.

Não me digam que eu apontei o inimigo errado, eu nem ao menos apontei um inimigo, mas respeitem a minha raiva e se perguntem onde foi parar a sua. Se você não se indigna com 1 homem saudável, contente, gordo e livre em detrimento de milhares subnutridos, doentes e mortos pela mesma causa, pela mesma planta, tem alguma coisa que não tá certa e eu tendo a pensar que não é a minha indignação,que não é o meu gatilho, que não é minha raiva e minha dor.

Em tempo: Libertem Rafael Braga e todos os presos por crimes relacionados à lei de drogas, que o privilegio do homem gordo, saudável e tranqüilo que não vai dormir atrás das grades junto aos ratos hoje sirva ao menos para isso.