Nesses dias, em uma discussão banal pelo WhatsApp, um amigo soltou aquele jargão tão comum para se esquivar de qualquer tentativa mais elaborada para explicar determinado fenômeno: “contra fatos não existem argumentos”. Como isso é popular entre os preguiçosos ou naqueles desprovidos de maior capacidade de explicação para além do senso comum.
Lembrei-me, imediatamente, do historiador e teórico das relações internacionais, Edward Carr, autor de célebres obras como A crise dos Vinte Anos 1919-1939: uma introdução aos estudos das relações internacionais (1939) e Condições para a Paz (1942). Carr é enquadrado como um teórico do campo de interpretação realista das relações internacionais, ou seja, de interpretação pragmática dos fenômenos históricos e políticos, embora tenha rejeitado o empirismo histórico.
Mas, foi no didático livro Que é História?, que Edward Carr expressou bem o pensamento que deve ser adotado por todos aqueles que se preocupam com a complexidade que envolve os fenômenos, especialmente sociais. Diz ele: "É comum dizer-se que os fatos falam por si mesmo. Naturalmente isto não é verdade”! (Que é História, 3ª edição. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1982, p. 39)
Aprendi isso desde que lecionava a disciplina economia política nos cursos de graduação e pós-graduação em Relações Internacionais, na terra de Todos os Santos. Ora, se os fatos pudessem falar por si mesmos, não era necessário à humanidade recorrer a ciência, pois os fenômenos sociais e naturais já se encarregariam de nos explicar porque eles acontecem, suas razões e consequências. Assim, a vida e o mundo seriam muito mais previsíveis e fáceis de entender, bastava observar suas ocorrências e frequências, por exemplo.
No entanto, os fatos em si são pobres quando não tratados e observados de acordo com métodos científicos, construção de hipóteses e interpretações já desenvolvidas com base em outras tentativas lógicas de tratá-los. É assim que a ciência avança, se aproximando o máximo possível da realidade, escapando das perguntas simples e respostas fáceis.
Portanto leitor, quando alguém, em algum momento, olhar para algum acontecimento, conferir na televisão ou presenciar qualquer fenômeno, e se dirigir para você, com semblante de “autoridade”, pronunciando a famosa frase de que “contra fatos não há argumentos”, desconfie, essa é a maneira mais simplória de explicar as coisas, escapar de um debate mais rico e subutilizar a inteligência, deixando de construir várias e possíveis razões explicativas. E, certamente, esse seu interlocutor seria um péssimo jogador de xadrez.