Como tradicionalmente ocorre a cada início de fevereiro, o Congresso Nacional realizou, no último dia 05, a cerimônia da abertura anual dos trabalhos. O evento, também como de hábito, contou com a presença de diversas autoridades e teve nos discursos dos presidentes das Casas Legislativas pontos bastante interessantes, especialmente quanto ao do Senado, Eunício Oliveira.
Dentre alusões panfletárias à cada vez mais frágil reforma da previdência, tratada como o elemento mágico da vez para resolver todas as mazelas econômicas do país, a pauta primordial esteve centrada na segurança pública – ou na gritante ausência dela. O deputado Rodrigo Maia, presidente da Câmara do Deputados, adotou tom de generalidade, demonstrando preocupação, mas sem se referir a qualquer medida específica sobre o tema. Já o presidente do Senado preencheu dois terços de seu discurso com a insegurança reinante no país, e, ao contrário de Maia, chegou a elencar uma série de projetos e pautas supostamente voltadas para a solução da grave crise que, nesse campo, nos assola. Tinha tudo para ser um evento emblemático, mas passou longe disso.
O roteiro propositivo do Senador Eunício, em verdade, serviu como evidenciador cristalino de que, não importa quão grave esteja a situação do país, ou mesmo quais sejam os verdadeiros anseios e necessidades da população, o que move o Congresso é a pura agenda ideológica de seus dirigentes. Enquanto as mais abalizadas discussões técnicas sobre a estruturação policial se debruçam sobre a possibilidade de adoção do chamado “ciclo completo de polícia”, que aproxima ao máximo a atuação policial de seus nichos sociais e, com isso, permite sua maior eficácia – e controle correicional -, a ideia de Eunício segue em sentido diametralmente oposto, com a federalização das forças de segurança pública, para criação do que ele chamou se “Sistema Unificado de Segurança”, um outro “SUS”.
A ideia, de fato, não é nova. Centralizar a segurança, com a criação de uma Polícia Nacional, é um ideal básico presente na doutrina esquerdista, que por tanto tempo comanda as gestões públicas brasileiras. Trata-se de um modelo bolivariano, como vige, por exemplo, na Venezuela, onde todas as forças repressivas respondem diretamente ao governo (ou ditadura) central. Ao sinalizar com a inclusão desse tema em pauta, o Senador Eunício se alinha ao declaradamente comunista Ministro da Defesa, Raul Jungmann, que há algum tempo flerta com a embrionária ideia de uma “polícia federal fardada”.
As propostas do presidente do Congresso passeiam por alguns outros temas, como a construção de colônias penais para criminosos de menor periculosidade, revisão de leis criminais e criação de grupos de trabalho para estudo do tema. Pautas demasiadamente abstratas, que bem se amoldam a um ano eleitoral, no qual demonstrar alguma preocupação com temas sensíveis traz muito mais capital político do que resolvê-los.
A frustração maior, evidentemente, ficou por conta da omissão de ambos os Presidentes quanto aos temas mais prementes e de maior apoio hoje em tramitação. Nenhuma palavra sobre a redução da maioridade penal, aprovada na Câmara desde agosto de 2015, muito menos sobre os dois projetos que reformulam o Estatuto do Desarmamento, o PL 3722/12, na Câmara, e o PL 378/17, no Senado, de autoria do Deputado Rogério Peninha Mendonça e do Senador Wilder Morais, respectivamente.
E ainda piores do que a frustração são as especulações de bastidores para o ano que se inicia. Com pretensões de candidatura à Presidência da República pelo Democratas (DEM), o Deputado Rodrigo Maia sinaliza que tratará logo da alteração do estatuto, sobretudo como estratégia para retirar do pré-candidato Jair Bolsonaro esse trunfo de campanha, determinantemente responsável pelo constante crescimento que acumula nas pesquisas.
Porém, para o moderado Maia, a ideia está longe de ser o aproveitamento do texto do PL 3722/12 ou se inspirar no PL 378/17, mas, sim, a elaboração de um substitutivo “menos radical”, que flexibilizará alguns (pouquíssimos) pontos para a posse de arma, mas manterá a regra de proibição ao porte e buscará aumentar as penas que hoje já são previstas. Um “Estatuto do Desarmamento 2.0”, como vem sendo apelidado, que muito provavelmente virá endossado pelo Deputado Alberto Fraga, companheiro de partido de Maia, aspirante ao Governo do Distrito Federal, que se diz da “Bancada da Bala”, mas já andou elogiando o estatuto atual e, não se pode jamais esquecer, foi o grande responsável pela aprovação do projeto que, a pedido do Prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, tornou hediondo o crime de porte de arma de fogo de uso restrito, como se traficantes munidos de fuzis disparando diariamente dessem a mínima para isso.
Ao tratar prioritariamente da segurança pública, portanto, a expectativa que se volta sobre o Congresso não é positiva, mas de absoluta apreensão. Nada do que oficialmente se disse ou do que se especula apresenta qualquer efeito positivo imediato, voltando-se, em verdade, à concentração de poder para o governo e a mais restrições ao cidadão. A este, pelo que se desenha, a sensação de insegurança parece ser a única certeza para 2018.
Tende a ser mais um ano difícil, no qual as atenções para barrar aberrações precisarão estar redobradas.