Ras Adauto escreve lá da Alemanha, uma história verdadeira de carnaval:

 

Quando eu tinha 5 anos de idade, minha família morava numa "cabeca de porco", na rua Felício 33, em Cascadura,subúrbio, perto de Madureira, nop Rio de Janeiro.

Um sábado acordei com um grande choro de minha mãe e as mulheres da "cabeça de porco" amparando-a e em cima da mesa no centro do cômodo o corpo de minha avó. Era sábado de carnaval.

O menino não entendeu nada daquele espetáculo e mesmo surpreso, pois nunca vira a mãe naquele estado e desmaiando nos braços das mulheres. quando minha mãe falou comigo, disse:

- Vovó morreu, caiu morta hoje cedo na cozinha, quando foi tomar café.

- E ela não terminou a minha fantasia de morcego, respondi.

A fantasia estava lá na velha máquina de costura, com a qual minha mãe e minha avó costuravam as roupas de todo mundo ali naquela "cabeça de porco", as nossas e das vizinhas.

À tarde meu pai chegou do trabalho e trazia entre outras coisas de carnaval pra nós, a máscara de morcego da minha fantasia. Logo começaram a chegar a parentada toda, muita gente de longe, amigos da família e outros vizinhos e fizeram o "gurufim" de minha avó até o dia seguinte. Eu no canto, aborrecido com minha avó, que não se levantava daquela mesa pra terminar a minha fantasia de morcego.

O enterro de minha avó saiu às 11 horas da manha e lá fora era domingo de carnaval e a Rua Felício estava animada de batuques e gente fantasiada passando indo em todas as direções. Apesar de bem pobres, no enterro de minha avó tinha muitos carros. e pouco antes das 11 apareceu o coche que ia levar o caixão da morta: dois grandes cavalos (um preto e um branco com penachos ) puxando uma charrete toda ornada de roxo e dourado, parecidos saídos de algum filme.

No momento em que iam colocar o caixão sobre o coche, vinha um bloco de sujo todo animado, na maior batucada e de repente um cara com apito deu o tom e a batucada silenciou
Como num passe de mágica. Os que tinham chapéu na cabeça ou máscaras nos rostos tiraram e ficaram em silencio absoluto. os cavalos seguiram com aquele fila de carros atrás levando minha avó Maria para a sua última viagem.

Todo esse tempo eu fiquei encostado no portão aborrecido, com a máscara de morcego enfiada na cara, ainda sem entender porque a minha avó deixou a minha fantasia lá na máquina de costura e foi levada sem terminá-la.

Muitos anos depois, minha mãe morreu num domingo de carnaval e dessa vez eu não estava presente, estava em salvador. e só fui saber uma semana depois, quando liguei pra minha Irma daquele telefone ao lado da casa de Jorge amado no pelourinho.

Carnaval pra mim é muito estranho sempre.

negra panther