Não sou aluno do professor Olavo de Carvalho, mas tenho uma admiração profunda pelo pensador em função de muitas das obras por ele lançadas. Entre elas, O Jardim das Aflições, O Mínimo Que Você Precisa Saber Para Não Ser Um Idiota, e a Nova Era e a Revolução Cultural. Carvalho é tido, na grande mídia, como um “guru de direita”, mas eu praticamente não tenho gurus e tenho alguns pontos em que ouso discordar dele, por justamente ter visto em O Jardim das Aflições uma passagem que muito me emocionou, que é quando Olavo de Carvalho afirma que temos que tratar nossas opiniões a chicotadas se tivermos mesmo preocupação em buscar a verdade.
O professor coloca que há diversas camadas de poder (ou de busca pelo poder) que atuam sobre nós e tentam construir narrativas por meio das ideias que professamos muitas vezes sem saber a origem dessas. Nesse sentido, é fundamental que saibamos o porque pensamos o que pensamos, o que queremos com isso e busquemos o gênesis de determinadas ideias para refletir sobre essas camadas de poder. Isso inclui estar aberto a mudar de opinião caso se constate que se acreditou em uma falsidade, que se desmorona quando confrontada com o argumento contrário. Se este processo não é o livre exercício do pensar, não sei mais o que seja.
Além disso, a análise que O Jardim das Aflições faz entre o materialismo e o epicurismo é primordial. A crítica presente, mostrando as analogias, denuncia justamente essas camadas de poder sobre algumas ideias e seus interesses meramente políticos sendo conduzidos por ideologias que amputam o homem do verdadeiro contato com a liberdade. Afastam o ser daquilo que o filósofo Ortega y Gasset já colocava: o insubordinável encontrado em nossa solidão extrema quando confrontamos o que acreditamos com a extrema honestidade intelectual e sem dever nada a ninguém.
No próximo dia 7 de dezembro, o filme O Jardim das Aflições - que não trata da obra em específico, mas do pensamento de Olavo de Carvalho - será exibido na Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Percebo, em alguns textos, que já existem reações contrárias ao filme, classificando este como “filme de direita” ou “filme fascista”. Assistir ao filme duas vezes e afirmo: são pouquíssimas as reflexões políticas que levem a classificar o filme como um ato de direitismo. A película traz filosofia ao nos apresentar Ortega y Gasset, Eric Voegelin e até mesmo alguns conceitos como o da anamnese e da investigação das próprias ideias, dentro de um processo de filosofia contemplativa.
Carvalho, por exemplo, ainda recorre a um autor de esquerda - Raimundo Faoro - para falar da visão do estamento burocrático brasileiro: uma classe que chegou ao poder, de forma muito anterior ao PT, e passou a desenhar um conceito de pseudo-democracia, onde o poder emana do povo, mas contra ele é exercido, garantindo benesses, favores, privilégios aos poderosos, mecanismos de controle dos indivíduos por meio de uma inflação de direitos e imposições às liberdades individuais.
Com isso, surge uma reflexão sobre o papel do Estado e ao que de fato ele esta vocacionado, observando o desenvolvimento desse na História, seja aqui no Brasil ou no mundo. É que nunca na História da Humanidade existiram tantos mecanismos de controle de pensamento, criações de grupos internacionais de objetivo comum com poder de imposição de pautas (até mesmo e valores) sobre comunidades. É o que conhecemos hoje como globalismo.
De certa forma, portanto, há sim no filme uma reflexão sobre o globalismo, que é a tendência de imposição de um “governo mundial” que frauda democracias por meio de mecanismos internacionais a serviço de grandes capitalistas que querem um metacapitalismo. Ou seja, chegar no topo e não permitir que ninguém mais chegue. Esses - entre eles George Soros - “brincam” com as ideologias e instrumentalizam grupos por meio de ONGs, entidades etc. O que Olavo de Carvalho diz está posto em muitas fontes, como nos trabalhos de Pascal Bernardin, Roger Kimball, Heitor de Paolla e por aí vai...
Do ponto de vista filosófico, associo muito do que é posto no filme ao conceito de “hiato ontológico” de Viktor Frankl, que descreve a forma como um homem - diante de tanto secularismo e materialismo - foi amputado da sua capacidade de pensar e refletir sobre o transcendente, que sempre foi uma necessidade da filosofia desde que a filosofia foi filosofia. Mas é possível discordar de Carvalho? Claro! É só expor a tese contraditória e colocar esta em debate. São inúmeros os que buscam fazer isso e defendo que estes tenham espaço para fazê-lo e direito de fazer também. O confronto é base da produção do pensamento. No fim, creio que a verdade sempre permaneça de pé.
Agora, o que mais me assusta é o xingamento vazio e muitas vezes completamente dissociado da realidade. Entre eles, chamar de fascista quem comunga da visão da existência de um estamento e do globalismo. Vejamos: denunciar o estamento é justamente denunciar um Estado que quer o controle de tudo, quer se fazer a consciência do indivíduo, moldando-a por dentro do Estado e para serviço do Estado, encarando este ente como uma “babá”. A essência do pensamento de Mussolini é defender justamente que tudo seja pelo Estado, com o Estado e para o Estado. Se posicionar contra o estamento é se posicionar justamente contra todas as práticas fascistas, ora bolas. É justamente se opor aos mecanismos de controle global.
Quem duvida que veja o filme e depois o discuta. É o que faço ainda hoje com autores com os quais discordo: me dedico à leitura desses para que possa retirar os conceitos-chaves e assim analisar - de coração aberto - com aquilo que previamente discordo. Não raro, alguns me convenceram de que o errado era eu e pude ali me fazer aprendiz do que não sabia, como ocorreu quando me deparei com a obra de Voegelin, por exemplo. Não tinha sequer noção do que era cosmovisão na análise das ideias políticas. Ao me deparar com aquilo posto, refiz todo o conceito que eu tinha de ciência política e filosofia política. Em minha visão, humildade diante do saber é algo que devemos cultivar sempre. O que sabemos sempre será um ponto no oceano da ignorância.
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