Uma das características mais marcantes da agenda desarmamentista é o totalitarismo. Não apenas pelo viés de controle impositivo antidemocrático, mas, também, por seu cunho global e amplo, pelo qual se busca o integral banimento do acesso populacional às armas de fogo. Incrivelmente – ou não -, esse processo não exclui sequer as polícias.
Desde a década de 1990, a ideia de uma polícia desarmada é formalmente discutida na Câmara dos Deputados, onde se iniciou com a proposta de restrição ao porte de arma aos policiais que não estivessem em serviço. À época, os debates costumavam invocar o exemplo da Inglaterra, onde as patrulhas metropolitanas atuavam sem armas, o que tornaria absurdo permitir que, por aqui, mesmo de folga policiais as portassem. Um discurso vexatório, que, além de ignorar a abissal diferença no quadro criminal de cada um dos países, deixava claro o total desconhecimento das razões da ausência de armas com policiais ingleses. Afinal, na ilha bretã, a polícia desarmada não tem origem em questões de segurança pública, mas, sim, na rejeição do cidadão inglês a uma figurativa opressão estatal, representada por agentes da lei portando armas nas ruas.
Felizmente, apesar de tentada, nem mesmo com a promulgação do atual Estatuto do Desarmamento a proposta foi implementada. O porte aos agentes de segurança pública foi expressamente mantido na lei, como direito amplo, mas isso está longe de significar que o propósito tenha sido abandonado. Ao contrário, é recorrente o retorno do tema às pautas progressistas, sempre sob o apelo emocional de reduzir mortes.
Recentemente, parecem ter encontrado um sustentáculo novo para a ideia, consistente numa suposta crescente de policiais mortos por bandidos quando estavam de folga, em crimes cujas consequências se tenta atribuir à presença de uma arma com aqueles. A tese, que foi resumida de forma tangencialmente surreal pelo jornalista da Band News Ricardo Boechat, é a de que os bandidos estariam “apenas” praticando um assalto comum, mas que, com a reação de um policial armado que ali se fazia presente, acabam “sendo obrigados a matá-lo”. A solução? Tirar a arma do policial de folga.
A par do surrealismo capaz de causar inveja a Salvador Dali, o raciocínio – como não raro se constata com esse tema -, é um misto de leviandade e total desconhecimento da realidade policial na complexa equação da segurança pública. Policiais não são mortos porque estavam armados, mas porque são policiais. E disso eles não tiram folga.
Para quem não é familiarizado com o assunto e se informa da dinâmica criminal por seriados norte-americanos, em que até um furto de celular é investigado por um grupo de cientistas forenses, pode parecer habitual que a polícia prenda um criminoso e ele só volte às ruas depois de cumprir pena, após alguns (ou muitos) anos. Porém, por aqui, com o sistema jurídico-penal extremamente garantista que temos, há não muito tempo coroado com as famigeradas audiências de custódia, os policiais prendem os criminosos e em 24 horas eles já estão de volta às ruas, atuando ou tendo comparsas na mesma área em que os policiais que os prenderam fazem ronda, podendo facilmente acompanhar seus hábitos. Policiais e criminosos acabam, muitas vezes, convivendo fora do sistema penal, e isso tem consequências óbvias.
Se serem presos e soltos em pouco tempo se torna comum, a cada retorno às ruas os criminosos são amplamente capazes de identificar os agentes da lei que os prenderam. E, também, de contra eles se vingar. É, justamente, o que acontece em um sem-número de ocorrências envolvendo policiais de folga.
Os criminosos vão praticar um roubo, identificam ali um policial – o que, repita-se, é extremamente fácil diante do fluxo cíclico de prisões e solturas – e simplesmente partem para executá-lo. A este, o policial, que não tem como adivinhar se será ou não reconhecido, a reação não é para evitar o roubo, mas para sobreviver, pois basta ser identificado para ser morto.
A arma do policial de folga, nesse cenário, não é o elemento que determina sua morte, mas o único instrumento com que ele conta para se defender. E isso muitas vezes dá certo, salvando-lhe a vida e, também, a integridade e o patrimônio de terceiros. Os noticiários que privilegiam o mundo real estão recheados de casos em que policiais de folga reagiram e mataram criminosos, se salvando e evitando assaltos. O problema é que esses casos não atendem à agenda desarmamentista, apoiada pela grande mídia, e acabam sendo ignorados, relegados aos chamados “programas sensacionalistas” ou “sanguinários” do final da tarde.
Retirar a arma dos policiais de folga não é contribuir para reduzir suas mortes, mas impedir que a tentem evitar. É tornar mais fácil a vida do bandido, que os poderá executar sem reação. Se implementada, a medida não reduzirá o número de policiais mortos, devendo, ao revés, contribuir para que esse quantitativo aumente. E aí, quem sabe, surgirá mais uma ideia “genial” para dar mais segurança aos integrantes das forças policiais, do tipo, sabe-se lá, acabar com as folgas.