Tenho duas certidões de nascimento. Uma que registra a minha vinda ao mundo na cidade metalúrgica de Osasco/SP em 1969 e outra que registra minha declaração de amor à capital alagoana em 2010, quando me reconheceram cidadão honorário deste chão.
Nascer duas vezes é um privilégio. E nascer a segunda vez alagoano, pode-se afirmar que é uma dádiva.
Não podemos escolher o lugar de nascimento. Esta opção é feita por nossos pais. Eu, não sendo filho biológico de Alagoas, fui por ela chamado, cooptado, enfeitiçado e, bem mais tarde, adotado.
Resolvi presentear àqueles que eu mais amo neste mundo com algo que só os pais podem dar, além da vida, do nome e do amor: O LUGAR DO NASCIMENTO. Meus filhos seriam, por escolha minha, ALAGOANOS.
Do nordeste não sou, todavia, "estrangeiro". Filho de pais e avós paraibanos, aprendi desde cedo a entoar a Asa Branca como hino, a comer as iguarias no café da manhã, adotar os costumes e peculiaridades regionais, a sofrer, ainda menino, os preconceitos paulistanos contra os nordestinos e seus filhos ali nascidos na "meca brasileira".
Nunca liguei aos apelidos dado ao meu valoroso pai, um estivador arretado que trazia no sotaque e no formato da sua cabeça, a marca do povo sertanejo: "Baiano, Paraíba, Cabeça-Chata", e tantos outros que agora a memória me trai, eram os chamamentos dados a ele. Sinceramente, nunca liguei. Ao contrário, fui ensinado a ter orgulho das raízes da minha família. E sempre tive.
Aos 19 anos tive a oportunidade de conhecer Maceió. Naquele dia tive um sonho que parecia adolescente. Disse a mim mesmo que moraria aqui. Para sempre. Tinha escolhido, enfim, nascer de novo. Não que rejeitasse a minha cidade natal e todas as doces lembranças da Vila onde nasci. Nasci na casa da minha avó Esmeralda. Tem lugar mais gostoso do que esse para nascer?
É que o coração adolescente me fez enamorado e me apaixonei sem sentir por Maceió.
Quase 10 anos mais tarde o sonho adolescente foi concretizado.
Vim para cá na adversidade. Aliás, quase tudo na minha vida me foi sempre adverso. Desde a concepção até este momento em que escrevo esse texto.
(tem gente torcendo o nariz até hoje pelo que faço, falo e combato, a eles, reforço, vou continuar assim, seguindo em frente, convicto de que sonhos não envelhecem)
Lembro-me que eram tempos sombrios em Alagoas. Os funcionários públicos estaduais não recebiam seus salários há meses. Revolta popular contra o governo de Suruagy-Mano. O comércio acabado. FHC Presidente do Brasil.Desemprego, fome e miséria no nordeste. Alagoas arrasada. De lembrar arrepia até os cabelos da alma.
Crise era aquela! E que crise!
Meus pais e meus amigos de São Paulo, e a família de minha então esposa alagoana, rezavam, faziam promessas todos os dias para que eu desistisse e voltasse para São Paulo, pois lá, na "meca brasileira", meus futuros filhos teriam mais chances. Alagoas estava condenada ao cadafalso, à escuridão, às sombras eternas.E eu estaria condenando meu futuro de jovem advogado promissor a um nada, à miséria.
Mas eu já contei a vocês que sou teimoso? Não? Pois, bem, deixa eu dizer. EU SOU TEIMOSO PRA DEDÉU!
Tal como paixão que arde sem doer, não deixaria que ninguém tirasse de mim a vontade de "nascer alagoano". Resisti.
Aprendi que tínhamos, e ainda temos, um problema central e profundo: nossos políticos. Que se aproveitavam, e até hoje se aproveitam, de outro grande problema: nossos eleitores despolitizados.
Mas não eram só esses os problemas que depois me viriam a ser cordialmente apresentados. A capital mais linda do planeta Terra escondia suas mazelas. Mas já era tarde demais para mim. Uma vez apaixonado, nada me convenceria de que este pedaço de chão me fazia sentir seu e ele meu, para sempre, e até o fim.
Mais problemas foram sendo descortinados a cada dia, para atender às preces dos meus familiares.
Apelaram pra tudo, jogo de búzios, cartomante, tarô, novenas, trezenas e o que mais o sincretismo religioso pode oferecer aos "desesperados em busca de um milagre".
Um judiciário "super-família", foi sendo percebido por mim, se é que me entendem. Precisava aprender os sobrenomes rápido para não cometer algumas "gafes".
As rezas e as promessas para todos os santos aumentavam por parte da minha família. O milagre para eles parecia mais incrível que os 7x1 da Alemanha!
O louco teimoso resistia a cada investida e acada tropeço na terra dos caetés.
Iria nascer alagoano. Iria ser maceioense, nem que isso me custasse a única vida do chão metalúrgico que me deram.
Ia perdendo o sotaque paulisssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssssta, ufa! Uma das vezes que voltei para lá, me disseram que eu estava mais nordestino do que nunca. Não sei se aquilo foi uma chacota, mas a tive como o maior elogio até então.
Fui aperfeiçoando meus estudos, mestrado, doutorado, Phd na Itália, e levando comigo o "alagoano" como origem. Em Pavia, na Itália, por exemplo, todos conhecem maceió de tanto que eu falava. Aprenderam que o Brasil não se resumia a RJ-SP. Na OAB, fui conselheiro federal POR ALAGOAS. Todos os meus livros publicados registram ser de um autor "alagoano". Para o preconceito do mercado nacional. E para meu deleite!
Hoje, já alagoano adaptado, ainda entoo loas à minha cidade de adoção. Maceió é linda. Maceió é encantadora.
Todavia, resolvi combater o bom combate contra as suas mazelas. Resolvi sair da minha zona de conforto e tal qual aquele sonhador quixotesco que vai de encontro aos moinhos de vento, achei que era hora de enfrentar os políticos no ringue deles, com as regras deles, mas com a única coisa que até agora não conseguiram me vencer: MINHA TEIMOSIA CORAJOSA!
E você que também ama Maceió, que vivencia seus problemas cotidianos, que sabe das falcatruas históricas de sobrenomes pomposos, pode ficar aí, contemplando e cantando que Maceió é sua sereia e se acomodando em ser garfado a cada pleito eleitoral e se deleitando com os escândalos nossos de cada dia, ou pode empunhar seus sonhos e ir à luta.
Qual será a sua escolha?
Vamos renascer, ALAGOANOS E ALAGOANAS!
Outra Maceió é possível. E NECESSÁRIA! Eu acredito.
Teimosamente acredito.