“Microcefalia não é o fim. É ponto de partida para se criar um filho com muito amor e dedicação”. Essa foi a definição da dona de casa Josenilda Serqueira ao início do tratamento médico do pequeno Samuel, de apenas dois meses, diagnosticado como um dos casos de microcefalia em Alagoas, uma condição rara em que o bebê nasce com o crânio do tamanho menor do que o natural, e que pode estar associada ao zika vírus,.
De acordo com dados da Secretaria de Estado da Saúde (Sesau), em Alagoas existem 209 casos de recém-nascidos com suspeita, seis casos suspeitos intrauterinos. Das 129 tomografias realizadas em casos suspeitos 38 tiveram a confirmação de microcefalia, 73 apresentaram resultados normais, seis com alterações neurológicas e 12 aguardam resultado.
Nos casos já confirmados, as mães deram início ao tratamento de estimulação precoce para detectar as possíveis sequelas provocadas nas crianças devido à doença. No pequeno Samuel, os exames mostraram que ele apresenta uma disfunção na audição.
“Nós já realizamos todos os exames que foram solicitados e o médico disse que ele não escuta nos dois ouvidos. Estamos com muita fé que ele não apresentará grandes sequelas, mas sabemos das condições”, relatou Josenilda, que é avó do bebê.
A mãe de Samuel, uma adolescente de 16 anos, comparece ao tratamento junto com o filho, mas ainda encontra-se resistente para acreditar e aceitar a deficiência. A força para continuar e manter a assistência à saúde do novo membro da família vem de dona Josenilda, que não esconde as lágrimas ao lembrar-se do dia em que recebeu a confirmação.
“No começo eu quis me revoltar. Fiquei sem entender o que estava acontecendo, mas depois criei forças, pois sei que ele precisa muito da gente. A minha nora e meu filho ainda não acreditam e acham que ele será uma criança normal. Mesmo quando médico disse que ele não ouvia, ela (a nora) disse no consultório que não acreditava e que o filho escutava normalmente”, lembrou a avó.
Amor para superar desafios
Para garantir o tratamento, Josenilda e sua nora adolescente saem do município de Arapiraca ainda na madrugada para pegar o veículo disponibilizado pela Secretaria de Saúde do município para trazer as mães e crianças ao Serviço de Atendimento Especializado (SAE), em Maceió.
A consulta ficou agendada para 15h da última quarta-feira (17), mas às 9h elas já aguardavam o encontro com o neuropediatra, contratado especialmente para atender os casos de microcefalia. “Nós sabemos que seremos os pés, as mãos e os olhos dele para o resto da vida. Agora ainda está fácil e sabemos que depois poderá ficar mais difícil, mas o que nos mantêm fortes é a nossa fé e o amor por essa coisa linda”, disse dona Josenilda.
Esse amor é visto nos olhos da jovem Maria Patrícia, também moradora do município de Arapiraca. A filha com dois meses de vida foi diagnosticada com a microcefalia, mas até o momento os exames médicos apontam para inexistência de alguma sequela. Essa é terceira vez que ela comparece a consulta médica com a filha.
“O impacto foi muito grande e até agora eu não consigo acreditar. Mas estou aqui realizando todos os exames e fazendo de tudo para que ela fique bem”, disse Patrícia, destacando ainda que a filha não aparenta a deformação no crânio.
Com dificuldade de transporte, mães faltam às consultas médicas
As mães das crianças diagnosticadas com microcefalia enfrentam outros desafios além da maratona para garantir assistência médica. O custo com alimentação e transporte tem pesado nas finanças das famílias, que em alguns casos deixam de comparecer as consultas por não dispor de dinheiro.
A família de Samuel tem enfrentado dificuldades financeiras para manter sua alimentação e garantir o transporte para o tratamento médico dentro de Arapiraca. O maior pedido da avó do Samuel é que outras mães, que tenham seus filhos diagnosticados com microcefalia, não desistam do seu fruto e sigam sempre firmes no amor de mãe.
Segundo Josenilda, os pais da criança estão desempregados e até para se deslocarem ao Centro de Saúde em Arapiraca tem sido um custo para pagar a tarifa de táxi. “Não tenho o que reclamar da assistência que estamos recebendo nos hospitais. Conseguimos realizar todos os exames, as consultas são agendadas e, graças a Deus, a Prefeitura tem garantido o carro para que a gente venha fazer tudo aqui em Maceió. Mas não tenho vergonha que pedir ajuda e nem de falar sobre as nossas dificuldades”, disse ela.
Apesar de Josenilda receber assistência do município onde mora para comparecer às consultas médicas, outras mães têm encarado uma realidade bastante diferente. De acordo com assistente administrativa do Serviço de Assistência Especializado (SAE), Kelly Oliveira, a carência de transporte e alguns municípios têm provocado à ausência de algumas famílias nas consultas já agendadas.
“Muitas dessas mulheres não têm condições de pagar as passagens e tem ocorrido muito de não comparecerem ao médico devido ao transporte”, afirmou Kelly, acrescentando que as mães seguem para Maceió em carros disponibilizados pelo município, mas somente quando existem outros pacientes que irão realizar outros tipos de procedimentos.
Ela garante que tem mantido um diálogo com os responsáveis sobre o transporte de forma que a assistência médica, principalmente para estimulação precoce do bebê, não seja interrompida. “Nós tentamos de todas as formas para que essa mãe não falte, inclusive marcando exames e consultas todos no mesmo dia”, colocou.
Em casos em que a cabeça da criança não apresenta visualmente o tamanho menor do que o normal, poucas mães ainda resistem ao tratamento por não ter informações ou por não aceitar a doença. A Secretaria de Estado da Saúde (Sesau) encontra-se em processo de organização das capacitações para s profissionais da área no interior.
As coordenações da Atenção Básica e Vigilância Epidemiológica dos municípios, que tem casos suspeitos notificados, receberam o Protocolo clínico de Microcefalia do Estado e as Diretrizes de Estimulação Precoce do Ministério da Saúde. De acordo com a Sesau, o primeiro contato com a mãe e o bebê é feito no dia da tomografia computadorizada.
O envio das notificações do número de casos e garantia do transporte para os pacientes é de cada município, segundo a Sesau. “A dificuldade está sendo em relação do não cumprimento dos agendamentos das tomografias e consultas médicas, pois cabe aos municípios garantir o deslocamento das crianças e mães para os exames e consultas. Nessa situação estamos entrando em contato novamente e reagendando” informou.
“Quanto mais cedo tratar, menos sequelas possíveis haverá”, diz neuropediatra
O neuropediatra Flávio Santana, que acompanha as crianças diagnosticadas com microcefalia no Hospital Hélvio Auto, afirma que ainda é cedo para traçar um perfil de sequelas das crianças alagoanas. Nesse primeiro momento, os bebês encaminhados com suspeita da doença estão passando por exames de tomografia.
Nos casos confirmados, elas são levadas para realizarem exames investigativos e iniciar o tratamento de estimulação precoce. O especialista explica que as crianças diagnosticadas apresentam alteração cerebral, no entanto, a sequelas que elas poderão apresentar ainda são investigadas.
Santana reforça a importância de realizar a estimulação precoce nas crianças. “Quanto mais cedo começar, menos sequelas possíveis essa criança terá. A reabilitação é a única forma de diminuir as repercussões”, colocou o neuropediatra. Segundo ele, até o momento apenas um bebê foi detectado com convulsão e já iniciou o tratamento.
Dados do Ministério da Saúde apontam que 508 casos confirmados ocorreram em 203 municípios, localizados em 13 unidades da federação: Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
No boletim informativo, o MS informou que investiga 3.935 casos suspeitos de microcefalia em todo o país. Desse total, 60,1% dos casos (3.174) foram notificados em 2015 e 39,9% (2.106) no ano de 2016. No total, foram notificados 108 óbitos por microcefalia e/ou alteração do sistema nervoso central após o parto (natimorto) ou durante a gestação (abortamento ou natimorto).
Ligação com zika vírus é fortalecida por pesquisas
A relação do surto de microcefalia associado ao zika vírus foi fortalecida por um novo estudo feito por pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz do Rio de Janeiro, que confirmou a presença do vírus no líquido amniótico de duas mulheres cujos fetos tinham microcefalia e suas mães tiveram sintomas da doença durante a gravidez.
Cientistas sugerem que o vírus pode atravessar a placenta e infectar fetos. Mas a Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que o vínculo ainda não foi provado e seus especialistas ainda esperam divulgar novas informações nas próximas semanas.
COMO COMBATER O AEDES AEGYPTI
Você sabia?
- Que a dengue, a chikungunya e a zika são doenças causadas por 03 vírus diferentes, todas transmitidas pelo mesmo mosquito: o Aedes aegypti?
- Que essas três doenças apresentam sintomas semelhantes que podem confundir seu diagnóstico?
- Que entre as três doenças, a dengue tem sido considerada a mais perigosa pelo número de mortes?
- Que a zika está associada a complicações neurológicas e à ocorrência de microcefalia em recém-nascidos?
- Que as dores nas articulações causadas pela chikungunya podem durar meses?
A doença e o mosquito:
- É muito importante combater a proliferação do mosquito. Os ovos do mosquito Aedes aegypti precisam de água limpa e parada para se desenvolverem e originarem as larvas.
- A infecção por zika em gestantes está associada a casos de microcefalia em recém-nascidos. Além das medidas contra a proliferação do mosquito, é recomendável o uso de repelentes. Todos os repelentes vendidos no Brasil foram considerados seguros pela Anvisa. Em caso de dúvidas, fale com o seu farmacêutico.
- É fundamental não tomar medicamentos por conta própria. Alguns medicamentos não podem ser utilizados em caso de suspeita de dengue. A automedicação pode mascarar sintomas, dificultar o diagnóstico e agravar o quadro do paciente. Não se automedique, fale com o farmacêutico.
- Lembre que o combate à proliferação do mosquito também depende de você. O ciclo de vida do mosquito, desde o ovo até fase adulta leva de 7 a 10 dias. Por isso, a eliminação de criadouros deve ser realizada pelo menos uma vez por semana: assim, o ciclo de vida do mosquito será interrompido.
Evite o acúmulo de água na sua casa e confira algumas dicas para combater o mosquito e os focos de larvas:
* Mantenha a caixa d’água fechada
* Guarde as garrafas de cabeça para baixo
* Encha os pratinhos dos vasos com areia
* Remova folhas e galhos das calhas
* Coloque o lixo em sacos plásticos e mantenha a lixeira bem fechada
* Não deixe água da chuva acumulada na laje ou nas calçadas
Fonte: CRF/RS