Que o inquérito policial como é praticado no Brasil nos dias atuais é caduco e não agrada a mais ninguém, isso não é novidade. Este aleijão jurídico, resquício do sistema inquistorial e totalitário do século XIX, ainda insiste em desafiar as novas tecnologias e os valores constitucionais arraigados na Carta Magna de 1988.
Hoje, nem delegados, promotores, juízes ou advogados conseguem ver neste monstrengo algo que traga celeridade, certeza e justiça aos jurisdicionados. O projeto de reforma do Código de Processo Penal, que lamentavelmente dorme em berço esplêndio no Congresso Nacional, traz mudanças significativas para todo o sistema penal no Brasil. Reformas necessárias e que se demorarem mais, já nascerão obsoletas e inúteis.
Pois bem, enquanto isso não acontece, os retalhos vão sendo feitos na vã e tola tentativa de trazer ao inquérito policial um pouco mais de utilidade. O último destes aconteceu em 12 de janeiro deste ano, quando a Presidenta Dilma Rousseff sancionou a lei 13.245, alterando alguns dispositivos do Estatuto da OAB, ampliando algumas prerrogativas dos advogados frente ao antiquado e arcaico instrumento de investigação policial.
Comemorado pelos advogados, principalmente pela lenta e sonolenta OAB, como revolucionário e altivo, lamento colocar água no chopp dos colegas.
As alterações tímidas não conseguirão nos colocar no patamar necessário de paridade de armas dentro do sistema inquisitorial investigativo como defendo desde 2012, quando trouxe da Itália estudos neste sentido, apontando os caminhos de uma verdadeira forma de empoderar os advogados com habilidades defensivas durante a investigação. Explico.
As principais alterações legais foram as seguintes, verbis:
"O art. 7o da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil), passa a vigorar com as seguintes alterações: Ver tópico
Art. 7o .........................................................................
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XIV - examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital;
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XXI - assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração:
a) apresentar razões e quesitos;"
Em uma sucinta análise, já se verifica, de início, que a participação do advogado continuará como sendo a de convidado de pedra no inquérito, posto que a alteração fala em assistir o investigado durante um único ato probatório, que é o de seu interrogatório. Mas a indagação seria? Que tipo de assistência? Poderá o advogado fazer perguntas ao interrogado e demais testemunhas que forem ouvidas, desde que tais depoimentos sejam decorrentes daquele ato produzido pelo investigado? Teria o arrazoado do advogado vínculo requisitório, obrigando a autoridade policial a atender seus pleitos? A meu ver, não. A alteração tímida não deixa clara a forma de assistência. Garante a presença e tão só. E isso já nos era garantido pela Constituição Federal.
Como disse: CONVIDADO DE PEDRA. E assim continuaremos ser.
O fato de podermos tomar notas e apontamentos de caderno probatório já inserto nos autos do procedimento já era objeto de súmula vinculante do STF - SÚMULA VINCULANTE 14 - , o que, quem atua no segmento sabe que tínhamos que manejar inúmeros mandados de segurança contra delegados de polícia que se nega(vam) a nos dar "vista" do que eles secretamente investigaram. Isto vem se repetindo diuturnamente também com promotores investigadores.
É um trabalho desgastante demais estar manejando ações judiciais (em um judiciário nem sempre célere) para termos acesso àquilo que já nos seria de direito pela determinação constitucional. As refregas intensas desgastam o relacionamento de urbanidade e respeito que deveriam e devem ocorrer entre delegados, promotores e advogados nesta quadra de investigação policial e ministerial.
Lembro-me de uma vez que um assessor na Polícia Federal tentou me impedir de assistir a uma simples coletiva de imprensa que os delegados iam dar quando me identifiquei como advogado dos investigados. A confusão foi grande e ali fiquei aguardando a "ordem de prisão" contra a minha pessoa. O bate boca foi grande, "venci" com a promessa de que "da próxima vez" ....
Na verdade sempre fomos considerados intrusos no inquérito policial, aquele que vai ali para atrapalhar todo o trabalho "ético, correto, justo, INFALÍVEL e honesto" da investigação.
Defensores de bandidos, assim por tantos também chamados.
Enfim, a lei está aí, nos dá alguma dignidade mas nos esvazia de poderes requisitórios que seriam necessários para nos trazer à condição paritária dos promotores públicos que hoje atuam livres e senhores de quaisquer investigações, inclusive sendo autônomos em suas conclusões e respostas ao desafio investigativo.
Que a paridade de armas seja o objeto de nossa luta nos procedimentos policiais e ministeriais. Aí sim poderíamos, nós, os advogados criminalistas, comemorar com Chandon e Veuve Clicquot (é assim que se escreve? - risos) a revolução legislativa da isonomia entre MP e defesa.
Por enquanto, bota água no chopp e vamos fingindo que somos "poderosos" com nossa carteira vermelha de dignidade alguma perante ao mais raso fardado a quem a lei nos impõe chamar de "autoridade".