Maternidade São Arcanjo. Quase cinco da tarde em um dia quente pra dedéu. Doutor Apolinário Pintasilgo, médico de plantão, já tinha trazido ao mundo mais de 5 bebês aumentando a população da pacata cidade de Xerem do Coité, quase 10 anos luz de distância da capital. A explosão demográfica naquela época do ano tinha uma razão: a festa da PADROEIRA nove meses atrás, coisa de milagre mesmo, diziam as beatas em oração. Era possível ver um desfile de mulheres buchudas em todas as esquinas da cidade. Alguns diziam que era a água de cacimba retirada do novo poço construído pela prefeitura que tinha efeito milagroso; outros apontavam a chegada do novo pároco que passou a abençoar os casais de namorados toda vez que iam à missa dominical como o responsável pelo crescimento das barrigas na cidade.
As versões eram variadas e corria a boca miúda que a cidade tinha propensão para fertilidade. Romeiros de todos os cantos chegavam para pedir bênçãos para que pudessem ser vférteis também.
Ninguém falava nada sobre a "rodovia do amor", rua escura que vivia entre sussurros e gemidos após às 18 badaladas do sino da paróquia.
A cidade crescia em habitantes e visitantes de forma assustadora. Toda semana era casório,festa e romaria.
Resolveram batizá-la de "Cidade do Amor".
O comércio teve uma enxurrada de lojas de produtos para recém-nascidos. O prefeito já enxergava futuros eleitores e um acréscimo no FPM do município, já tinha até pensado em ir à Brasília com os deputados que ele acreditava ter ajudado eleger nas últimas eleições para pedir mais verba para o município. Era a propseridade em vida chegando na cidadezinha do amor e das parideiras.
Doutor Apolinário estava exausto, mas nada seria mais surpreendente do que aquele próximo parto. A mãe entra em desepero na antesala para as avaliações de praxe, equipe médica de prontidão, ele começa a fazer os procedimentos para os encaminhamentos, chama o anestesista plantonista, comunica a enfermeira-chefe, que também estava grávida e dali a algumas semanas seria a próxima a parir, quando um senhor pede para conversar reservadamente com o médico antes do nascimento do futuro cidadão xerem-coitense.
- "Dotô, meu nome é Emanoel, sou marido de Gertrudes que acabou de chegar pra parir eu quero assistir o nascimento do meu filho", disparou ele de forma ligeira e coçando a cabeça em um gesto de nervosismo, angústia, aflição e medo.
Doutor Apolinário prometeu analisar o pedido e iria ver se ainda tinham roupas higienizadas para que o pai acompanhasse aquele momento único.
Ao voltar para a sala de cirurgia comunica à gestante, uma senhora franzina, cabelos desgrenhados, olhos esbugalhados e a pele queimada pelo sol, que seu marido estava lá fora e queria a tudo assistir. Naquele momento a buchuda urra um "Nãooooooooooooooooooooooooooooooooo" sofrido e desesperador que assusta a equipe inteira que, pensando que ela estivesse entrando em trabalho de parto ou coisa do gênero, correram para cima dela.
Usando de força descomunal, a buchuda pega na beca do Doutor Apolinário e lhe implora pelo que fosse de mais sagrado que ele não permitisse a entrada do seu marido naquela sala. Ele a acalma e sem pensar muito volta na sala onde se encontrava o marido dela e lhe comunica que infelizmente não existiam mais roupas higienizadas devido ao número de nascimentos ter superado a expectativa de todos naquele dia. Pede que o pai aguarde e que em menos de 30 minutios o seu filho e a sua esposa estariam ali para poderem comemorar em família.
Suando mais que tampa de marmita, o médico volta para a sala quando verifica que será mais um parto cesariano, solicita ao anestesista que comece o trabalho para a sedação da paciente e mais uma vez é interrompido:
_ "Doutor, tem um senhor lá fora querendo entrar para ver o nascimento deste bebê" - informa a enfermeira, também buchuda e já impaciente.
_ "Eu já avisei a ele que não temos roupas" - retruca o suado médico, também já impaciente pela demora no início dos trabalhos e pela chegada de mais 4 buchudas em menos de 30 minutos na maternidade.
_" Ele insiste em falar com o senhor e ameaça invadir a sala" - alerta a enfermeira.
Neste momento a buchuda volta a implorar que não o deixe entrar. Doutor Apolinário pede ao anestesista que aguarde mais um pouco e vai lá fora tentar convencer o senhor para aguardar sem trazer maiores problemas.Já pensa em chamar a polícia. O calor aumenta dentro da maternidade com tanta buchuda e gente chegando sem parar.
Ao chegar na sala, assusta-se. Não era o marido da buchuda que estava ali que insistia em entrar na sala de parto. Sem muita paciência, indaga:
_" Quem é o senhor?"
_"Sou Pedro Messsias, o pai da criança" - responde secamente o homem que se postava em pé e pedia para ver o nascimento de seu filho.
_"Calma, aí, de que criança nós estamos falando?" retrucou o médico.
_"Dessa que o senhor vai fazer o parto. Sou o pai da criança." - responde secamente o homem.
Doutor Apolinário pede que ele se identifique e vai até a sala de parto para saber se se tratava da mesma buchuda cujo marido estava no corredor aguardando o nascimento de seu filho.
Pimba, para surpresa de todos, era ela mesma! Um marido e um pai disputando o minúsculo espaço para assistir o parto daquele bebê.
_" Doutorrrrrrrr, nãoooooooo deixe ele entrar também, não, ele é o pai da criança..." sentenciou maliciosamente a buchuda com ares de empodaremernto e dominação da espécie feminina sobre aquela dupla de machos que se encontrava à espreita do grande acontecimento.
A enfermeira-chefe, também buchuda sorriu e alertou, que além de nascimento ia ter confusão quando Doutor Apolinário aparecesse sorridente com o bebê nas mãos e fosse entregar ao pai...ou ao marido, ou aos dois!
Silêncio sepulcral tomou conta da sala e o anestesista rindo - desgraça com os outros é sempre refresco pra gente - perguntou se sedava ou não a buchuda danadinha.
Doutor Apolinário pede para que todos esperem ali e vai ao encontro do cidadão que seria o pai da criança e usa o mesmo argumento da falta de equipamento de higiene e pede que ele aguarde em outro lugar, que não o corredor, pois ali já tinha gente demais. Por precaução chama o segurança da maternidade e avisa que alertasse o delegado da cidade para uma eventual tragédia.
Suado e angustiado com o que poderia vir a ocorrer, o médico determina que a maternidade separasse um quarto para aquele bebê e para a buchuda danadinha.
Delegado avisado, polícia de prontidão na maternidade, buchuda já com contrações fortíssimas, pai e marido em lugares separados, ele dá a deixa para o anestesista começar a sedação. A buchuda danadinha, ainda antes de ser anestesiada, pisca para o médico e sorri sarcasticamente. Ele devolve o sorriso e inicia o parto.
Às 18h24min vem ao mundo um lindo meninão, 4,200Kg, nota 10 em Apgar, careca, esfomeado e com a cara do... começa a sua vida na então pacata Cidade do Amor.
Doutor Apolinário, após os cuidados iniciais com o bebê leva para onde se encontrava o pai, mostra o garotão de longe, faz um sinal de positivo e o encaminha rapidamente para o quarto separado especialmente para a ocasião a fim de que também o apresentasse ao marido.
O marido da buchuda danadinha ao receber o garotão no colo, chora emocionado e diz:
_"Vai ter o nome do pai" .
E naquele dia, na Cidade do Amor, foi registrado no cartório o nascimento de Emanoel Epaminondas Gaia Junior.
Juninho, para os íntimos, dali em diante.