A morte do estivador Fábio de Freitas Silva, ocorrida no dia 25 de maio de 2012, trouxe à tona a discussão sobre a segurança dos trabalhadores que atuam na carga e descarga de navios no Porto de Maceió. Quase dois anos após o acidente, o CadaMinuto ouviu o sindicato da categoria, o Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Órgão Gestor de Mão-de-obra do Trabalho Avulso no Porto em Alagoas (Ogmo-AL) sobre o que está sendo feito para evitar que outros trabalhadores morram em serviço.

Um ano após o acidente, foi firmado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre o MPT, o Ogmo, o operador portuário e a empresa responsável pela carga que desmoronou no trabalhador. De acordo com o procurador Victor Hugo Fonseca, quem fiscaliza o cumprimento do que foi determinado no documento é o Ministério do Trabalho e Emprego.

“A gente trabalha muito também com a prevenção. Nesse caso, o intuito do TAC é fazer com que não mais haja acidentes”, afirmou o procurador. O TAC prevê multa caso haja descumprimento de medidas previstas no Termo.  

A Polícia Federal, após a morte do trabalhador, assumiu as investigações e ouviu a tripulação do navio. Por determinação da Justiça, o inquérito foi remetido à Polícia Civil.

Conversar com os estivadores sobre os riscos do trabalho no Porto de Maceió não é das tarefas mais fáceis. Segundo eles, o motivo do silêncio é a perseguição sofrida por quem “ousa” denunciar alguma irregularidade.

De cerca de 60 homens, apenas dois aceitaram conversar com a reportagem, mas pediram para não ser identificados. Sentados no chão esperando o próximo turno de trabalho, os dois estivadores confirmaram que muitos deles não respeitam a carga horária estabelecida, pois recebem pouco pela hora trabalhada.

“Se a gente não trabalhar muito, recebemos pouco no final do mês e não conseguimos sustentar as nossas famílias. Nós sabemos que o trabalho é perigoso, mas precisamos dele”, desabafou um deles. Eles são conhecidos internamente como “camisas brancas”, pois prestam serviço para outros estivadores cadastrados pelo sindicato, que geralmente fica com a maior parte do dinheiro do serviço.

“Se a gente receber R$ 80 pelo trabalho, alguns deles ficam com R$ 50 e nós apenas R$ 30”, disse um dos estivadores.

Com a morte de Fábio de Freitas, os estivadores foram impedidos pelos fiscais de entrar no porão do navio quando grandes barreiras de produtos de sete a oito metros de altura são formadas. “Muitos dizem que não é, mas trabalhamos com medo de acontecer qualquer coisa a qualquer momento. Nós recebemos o equipamento de segurança, mas ele não é suficiente para impedir uma morte, caso um saco caia em cima de nós”, relatou um estivador.

Os trabalhadores lamentam o fato de a maior atividade desenvolvida no Porto, a carga de açúcar, ter sido mecanizada pelos empresários do setor açucareiro. Durante a visita do CadaMinuto, eles relataram que em um período de 15 dias, apenas dois navios atracaram no Porto, e mesmo assim, o volume de produto foi pouco, o que exigiu um número menor de trabalhadores.

As queixas de dor na coluna e joelho inflamado são constantes entre trabalhadores. Os mais antigos na atividade não frequentam mais o Porto de Maceió por não conseguir carregar peso. Além do risco constante de ocorrer acidentes, os estivadores ainda sofrem com a angústia de ficar sem trabalhar e não conseguir benefício previdenciário.

“Tem muita gente que está afastada do serviço por conta das dores de coluna. O pior é que esses colegas não conseguem benefício, pois o INSS diz que dor nas costas não é doença. É raro você encontrar alguém que trabalhe aqui que não sofra de algum tipo de doença”, relatou um estivador.

A reportagem do CadaMinuto foi ao Porto de Maceió e teve acesso aos porões do Navio Bunun Wisdom,  de bandeira panamenha, no dia 14 de fevereiro, mas não havia estivadores trabalhando no local.

Para o Sindicato dos Estivadores de Alagoas, onde estão cadastrados cerca de 120 profissionais, a atividade é uma “semi-escravidão” devido às condições para exercer o ofício e à falta de assistência aos trabalhadores. O presidente da entidade, João Epifânio, afirmou que além dos riscos sofridos no exercício da profissão, o trabalho na estiva com o carregamento excessivo de peso leva a problemas de saúde.

Sobre os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), Epifânio afirmou que, em algumas situações, eles servem para proteger os trabalhadores. No entanto, o sindicalista frisou que para o transporte de determinadas cargas, o material não garante que os estivadores estejam resguardados contra acidentes.

“Os equipamentos são repassados pelo Ogmo, mas muitas vezes não são o suficiente para evitar que algumas coisas aconteçam. Quando a gente tem as cargas de trigo e adubo, por exemplo, esses equipamentos ajudam. A gente antes operava com contêiner e não tinha nem cinto nem gaiola, aí aconteciam mais acidentes. Em 2003 ocorreu uma morte e a imprensa nem tomou conhecimento”, relatou o presidente do Sindicato dos Estivadores.

Sobre a morte de Fábio de Freitas, João Epifânio afirmou que quando aconteceu o acidente não havia um fiscal no local para evitar que o jovem descesse até o porão do navio. No entanto, o representante do sindicato alerta que muitos estivadores, mesmo sabendo do risco que correm, não usam os equipamentos de segurança.

“Muitos sabem que é perigoso, mas precisam trabalhar e por isso vão de qualquer jeito. Há os que acham que o EPI atrapalha e não usam. A gente está em uma situação difícil, onde chegam poucos navios no porto, então quando atraca algum, os estivadores querem trabalhar muito para compensar o tempo que vão ficar parados”, observou Epifânio.

O presidente do Sindicato lembrou um acidente ocorrido em 2005, onde morreram dois trabalhadores. “Cada família ganhou cerca de R$ 300 mil. Quando acontece acidente, a gente sempre orienta as pessoas, mas tem gente que já procura o operador portuário por conta própria”, destacou Epifânio.

Mesmo com poucos acidentes no trabalho dos estivadores, muitos deles são fatais, o que preocupa o sindicato. A entidade também destaca que, devido à excessiva carga de trabalho, a expectativa de vida depois da aposentadoria é curta.

“Estou há 31 anos e vi quatro mortes no Porto. É um trabalho pesado, que exige muito do corpo. Depois que o estivador se aposenta não vive muito, já que começa a sentir os efeitos do ofício. Se a gente tivesse plano de saúde, uma assistência melhor, isso ia ser diferente”, finalizou.

Quando acontecem acidentes no Porto de Maceió com os trabalhadores a responsabilidade é dividida entre o operador portuário e o Ogmo. Cabe ao Órgão Gestor de Mão-de-Obra do Trabalho Avulso no Porto a fiscalização da segurança dos estivadores, bem como é obrigação da entidade fornecer os EPIs.

Giuliano Leite Costa, gerente geral do Ogmo em Alagoas, disse que o órgão dispõe de uma equipe composta por um médico, um engenheiro, dois técnicos de segurança e um auxiliar de enfermagem todos especialistas em segurança do trabalho. “Temos essa preocupação não apenas com a segurança lá no Porto, mas também com a saúde do trabalhador. Nós fornecemos capacete, bota, luva, máscaras e óculos”, afirmou Costa.

O gerente também disse que os equipamentos são suficientes na prevenção de acidentes. No entanto, Costa admitiu que em ocorrências mais graves os trabalhadores morrem, mesmo com o uso dos EPIs. “Para se ter uma ideia, no caso do rapaz que morreu em 2012, nem que ele estivesse usando uma armadura poderia escapar”, exemplificou.

Mas, mesmo com a fiscalização, assim como observou o Sindicato dos estivadores, muitos trabalhadores insistem em não usar os equipamentos. “Há os que dizem que o porão é muito quente e tentam driblar a fiscalização”, disse.

Costa colocou que o Ogmo entende que o trabalho do estivador é uma atividade de risco, por isso busca orientar os profissionais. “Batemos em cima também da questão do descanso no intervalo do serviço. Existe um intervalo de descanso de 11 horas, como algumas exceções, mas há quatro turnos de seis horas, mas sempre com a parada para descansar”, explicou.

Em relação à morte de Fábio de Freitas, o gerente do Ogmo disse que a família do estivador foi indenizada pelo operador portuário. Para os parentes dos mortos em 2005, também houve pagamento de indenização.

“Na verdade, temos poucos acidentes e alguns são leves. O problema é que quando acontece um problema maior, temos mortes. No ano passado, tivemos três acidentes em que nem houve a necessidade de afastamento”, finalizou o gerente do Ogmo em Alagoas.

Outra batalha travada entre o Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Ogmo é a regularização e transparência do rodízio da escala de trabalho dos estivadores. Em busca de ganhar mais dinheiro ou colocar de um atravessador para fazer o serviço e receber sem trabalhar, muitos estivadores e arrumadores burlam a escala organizada pelo Ogmo.

Diante do impasse e também com o registro de diversas denúncias, o procurador Rafael Gazzaneo determinou a implantação de um cadastro biométrico para manter a escala transparente e justa entre todos os trabalhadores. Segundo ele, o procedimento adotado pelo MPT desemboca na situação da saúde de trabalho desses homens, pois vai coibir jornadas de trabalho excessivas.

Assim como qualquer trabalhador, contratado de acordo com a Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), os estivadores devem desenvolver atividades durante o período de oito horas por dia.  “Essa ordem de chamada é muito desarrumada e até hoje nós do MPT lutamos para que essa situação mude”, disse o procurador. Por se tratar de uma profissão de trabalho avulso, quanto mais serviço e horas de trabalho mais o estivador recebe no final do mês.

“As dificuldades são grandes para manter essa escala, pois tradicionalmente, os sindicatos dos portuários, de maneira geral, se sentiam donos do porto. Antes dessa legislação mais nova, eram eles que designavam quem iria trabalhar. A legislação foi modificada para tirar justamente esse poder do sindicato. O que ocorre sem ter esse controle da escala são diversas reclamações dos portuários que estão trabalhando demais. Mas na verdade são eles que pedem para trabalhar e ganhar mais. Esse rodízio é fraudado e sem o controle não temo impedir a ordem seja burlada”, declarou Gazzaneo.

O sistema novo seja implantado até o dia 31 de maio deste ano. Porém, o MTP tem enfrentado dificuldades para cadastrar os trabalhadores. No total, são 700 trabalhadores portuários avulsos (TPA) e o volume maior é de estivadores. Todas as categorias terão que fazer o cadastro.

“Sempre tivemos denúncias sobre as atividades portuárias e a principal delas sempre é sobre a questão do rodízio, que nunca ocorreu de forma regular. Infelizmente cabe ao Ogmo fiscalizar e organizar esse rodízio, pois nós não podemos ficar 24 horas observando como é que ele acontece. É por isso que estamos tomando essas medidas para torná-lo mais transparente o possível”, ressaltou Gazzaneo. 

O procurador acrescentou que a diminuição de navios para carga e descarga de produtos no Porto de Maceió aumentou ainda mais as irregularidades na escala, pois o número de trabalho para os estivadores caiu drasticamente. O principal fato dessa redução foi o arrendamento de uma parte do Porto por uma empresa responsável pela importação do açúcar produzido no estado.

“Agora esses estivadores não carregam mais sacas de açúcar como era antigamente. Hoje o manuseio do produto é feito de uma forma ultramoderna”, destacou Gazzaneo. Ao ser questionado sobre o possível descumprimento da instalação do ponto biométrico, o procurador colocou que ainda não estipulou uma multa, pois pretende regularizar a implantação, mas se não houver uma contrapartida  em fazer funcionar o ponto, outras medidas poderão ser adotadas.