A notícia parecia inacreditável. No início era um nódulo que depois foi batizado de tumor pelos médicos que procuravam naquele momento escolher a palavra certa para não desencadear o desespero, pois  o medo já nos havia colhido de inopino.

Dali para ganhar mais um adjetivo foi um pulo: maligno. A palavra câncer passou a ser rotina em nosso dia-a-dia e uma outra que queríamos evitar ser pronunciada - metástase - era surdamente falada nos nossos olhares emudecidos pelo temor. Parecia mais um pesadelo no meio dos sonhos que eram sacudidos e deixava a vida quase sem ou nenhum sentido.

Lembrava-me todos os dias da promessa feita a ela. Na saúde e na doença. E uma frase que eu costumava, e ainda costumo repetir, como um mantra do amor vivido: 'Para sempre e até o fim'.

No dia marcado para a retirada do tal "tumor maligno" me fiz mais forte do que tudo. Não poderia demonstrar medo, desespero, temor, sentimentos naturais para um momento mais do que delicado. Queria entrar dentro dela e poder saber o que se passava em seus pensamentos e tentar aliviar todos os males. Em vão.

Na sala de recepção a frieza dos funcionários acostumados já a tratar pacientes como se fossem números deixava o ar como o de uma repartição pública e que a cirurgia seria mais um ato burocrático a ser cumprido naquela jornada. Por incrível que pareça aquilo me acalmou, talvez pela pouca importância dada por aqueles que estavam ali a trabalhar preenchendo guias de internação etc., diminuiu a minha tensão, mas não a preocupação.

Sentei-me ao lado dela e segurei sua mão por diversas vezes e sem conseguir balbuciar nenhuma palavra fazia um afago em seus cabelos macios de que iria dar tudo certo, que voltaríamos para casa para novos planos, nova vida e que ali era mais uma prova a sermos aprovados: a prova da vida!

Levei-a até o centro cirúrgico de onde tive que me despedir com um beijo caloroso e passar a confiança de que estaria no quarto a lhe esperar na sua volta. A sua imagem por um vidro e seu rosto em um pranto mudo representado pelas lágrimas que caíam amedrontadas nunca mais me vão fugir da lembrança. Eu não podia chorar, ao menos ali, na sua frente, alguém tinha que parecer forte, convicto de que realmente daria tudo certo. Ao invés de lágrimas lhe doei talvez meu mais sincero e confiante sorriso, embora naquele momento fosse a mim o mais doloroso de todos eles.

Depois que ela se foi, tranquei-me no banheiro do hospital e chorei feito criança por algumas dezenas de minutos. Meu choro solitário procurava esperança de que tudo daria certo realmente, de que ela voltaria e preencheria a vida de sentido e de razão.Afinal eu também tinha muito, muito medo.

A coragem de enfrentar tudo que enfrentei parecia ter desaparecido de repente e me abandonado para sempre.

As horas de espera pareciam eternas e neste momento nosso filme passou por mim. O primeiro encontro, o primeiro tudo de nossas vidas reforçavam de que se tivesse que voltar no tempo faria tudo de novo, desde que ela estivesse comigo. Procurei selecionar cada imagem na mente para revelar ao meu coração de que logo logo ela estaria de volta.

Confesso. Foi atemorizante pensar a vida dali em diante sem ela.

A sua volta e as boas notícias do médico que a atendeu fez aquele quarto sombrio de hospital se encher de esperança, energia e alegria. A palavra metástase estava descartada, pelo menos naquele momento, uma batalha havíamos superado.

Faltava o restante do tratamento que viria a ser tão doloroso quanto todos os momentos que passamos até ali, mas ela estava comigo e tínhamos a coisa mais valiosa de todas: um ao outro.

Enfrentamos o tratamento com mais força e coragem. Podemos dizer que de todas as lições aprendidas aquela seria a mais marcante. As cicatrizes da vida nos deixavam mais uma marca: a da superação pelo amor que não vive só de poesia, mas de puro e franco desafio.

Ao final de tudo posso dizer que vencemos e que colhemos os frutos da vitória através dos momentos sofridos e compartilhados, às vezes mudos, por outras só entre olhares medrosos, afinal sei que será para sempre e até o fim, mas não que este fim fosse e estivesse tão próximo.

O meu tesouro de felicidade continuará sorrindo para mim, até porque no prognóstico da vida, eu, como ser humano mais idoso, tenho a sensação de que irei primeiro, levando comigo todos os sorrisos que ganhei dela sem merecer.

E como no mantra repetido sigo dizendo todos os dias a ela; "te amo, para sempre e até o fim".