AS RUAS SEM SAÍDA
Cresci literalmente na rua. Gosto do cheiro dela. Sinto seus rumores, seus passos, seus reclamos. Por vezes foi dela que tirava algum trocado como flanelinha para ajudar meus avós paraibanos que foram expulsos da seca e foram tentar a sorte em São Paulo. Do gostoso barulho da banca de feira do CEASA aonde vendíamos limão aos finais de semana tenho gostosas e saborosas lembranças (“olha o limão tahiti, moça bonita só paga se der um beijinho no baixinho aqui”, gritava eu nos muitos bordões feitos com criatividade urbana pelos feirantes). Embora trabalhasse nela encarava tudo como se fosse uma divertida brincadeira.
De quando em vez em épocas de eleição era agraciado com trocados mais robustos por senhores que se vestiam bem e falavam com desenvoltura. Conheci um tal de Montoro (depois me dei conta que seria o futuro governador do Estado de São Paulo Franco Montoro e também meu professor na Faculdade de Direito por pouco tempo ) no largo de Osasco na grande São Paulo. Senhor simpático, agradei-me de seu carisma e jeito fácil de sorrir. Enfim, a rua era meu habitat, do ganha-pão ao jogo de bola.
Mais tarde seria nela que me engajaria pelo movimento DIRETAS JÁ e muito mais tarde ainda participaria mais ativamente na primeira campanha presidencial pós-ditadura militar. Na qualidade agora de Diretor do Centro Acadêmico da Faculdade Católica de Direito organizamos debates com os presidenciáveis. Que aprendizado fantástico! Conheci ali homens com ideias interessantes e inovadoras: Mário Covas, Leonel Brizola, Lula (com carisma sem igual), Guilherme Afif, Fernando Gabeira, entre tantos outros.
A rua, antiga conhecida, passou a me acompanhar também no FORA COLLOR e de cara pintada lá fui eu participar da história e pedir o impeachment do então presidente que prometia caçar marajás e colocar o Brasil nos eixos. Infellizmente não foi bem assim. O Brasil quebrou porque o povo que acreditou neLLe só viu o tamanho da besteira quando eLLe confiscou a poupança de todos os cidadãos brasileiros. Coisa que acusavam o LULA de que faria caso eleito.
Chegando em Alagoas pelos idos de 1998 lá fui novamente ocupar as ladeiras de Atalaia no movimento contra o descaso do prefeito que não pagava os funcionários municipais há mais de dez meses. Lideramos os trabalhadores de lá a criar um sindicato para colocar uma organização e conseguimos afastar o prefeito (ainda que por poucos dias, pois o TJAL o devolveria ao mandato com celeridade sem igual, coisa de justiça suíça, e olhem que nesta época nem CNJ existia). No assassinato em série de moradores de rua no ano de 2011, representando a OAB, nos engajamos junto aos meninos do FAZENDO DIREITO, também nas ruas, para que tal absurdo cessasse. Conseguimos chamar a atenção da imprensa nacional para o absurdo, reunimo-nos com o Prefeito, com secretário de assistência social, com secretário de defesa social, delegados de polícia e parece que chegamos a um bom resultado.
Pois bem. Todo esse introito para deixar claro que os movimentos sociais nas ruas me são simpáticos e sempre bem vindos. Faço um retalho, contudo, quanto aos últimos acontecimentos no Brasil. Vejo com preocupação quando jovens ocupam as ruas sem um propósito, sem rumo, sem pauta clara de reivindicações, com a exceção louvável ao pessoal do MPL (Movimento Passe Livre) que tinham um objetivo claro: evitar que as tarifas de ônibus aumentassem. E tiveram sucesso. Tanto é que já se retiraram deste movimento hoje que não tem cérebro, comando, mas só um corpanzil avolumado sem saber para onde vai e porque quer ir, a não ser um protesto generalizado contra tudo. E tome tudo nisso.
O resto que assistimos tem sido lamentável. Vândalos, incêndios, mortes e um oba-oba um tanto quanto fashion para estar nas ruas. Ser contra tudo é ser contra nada. Lutar contra uma PEC que 99% de seus “manifestantes” nem sabem do que se trata, mas ouviram dizer que come criancinha virou motivo. Ser contra a Copa porque alguém disse no facebook que tirou dinheiro público de escola e hospitais (mentira deslavada) virou motivo. Ser a favor do impeachment da Dilma como se ela fosse a culpada por tudo e mais um pouco também virou motivo. Querer que ela abaixe as passagens dos ônibus municipais, que casse o Renan Calheiros, que retire do congresso a PEC que come criancinha: virou motivo. Só esqueceram de se lembrar que estamos em uma República e não em uma monarquia. Só um pequeno detalhe.
Querem políticos honestos, limpinhos, mas se esquecem que quem votam nos nossos representantes somos nós mesmos e que eles são o reflexo e o espelho da nossa sociedade. Nada mais hipócrita querer culpar todos eles sem se dar conta que eles não vieram do planeta Marte. Querem políticos “suecos” mas se esquecem que somos nós os eleitores brasileiros que precisamos mudar.
Atacar com voracidade prédios públicos, escolas, hospitais, como se isso fosse resolver nosso problema e colocar medo nos gestores como instrumento de persuasão é, além de absurdo, ridículo.
O mais engraçado, para não ser trágico, é que todo mundo que está indo para as ruas pelo modismo do momento nunca foi para a sessão da câmara municipal de sua cidade para fiscalizar se o seus vereadores estão realmente cumprindo suas promessas, se os seus deputados estão honrando seus votos de confiança. Ah, esqueci, muitos nem se lembram mais em quem votaram, aí fica mais cômodo e mais fácil culpar a Dilma. E como fica!
Está me cheirando, com todo respeito aos que podem achar tudo isso muito lindo e oportuno, a golpismo. E se isso acontecer, voltarei novamente às ruas, com um real propósito, o de manter o ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, pois não se pode aceitar que as pessoas sejam usadas como massa de manobra de interesses espúrios inconfessáveis.
Lembrem-se que HITLER e MUSSOLINI souberam bem aproveitar a insatisfação dos alemães que acabaram embarcando na onda do Fuhrer... Eles também diziam que a Alemanha não precisava de partidos. Aliás, ser apartidário e/ou antipartidário em um sistema político-partidário soa como ser um Ateu de Cristo. O resultado do nazismo acredito eu que não precise expressar aqui.
Por fim, espero que possamos passar por essa tenebrosa tempestade e manter nossa juvenil democracia ainda vigorante, com a realização de uma verdadeira revolução, a do voto, pois somente nesta é que legitimamos nossos protestos contra aqueles que se dispõem a nos dirigir. Caso contrário todas as nossas ruas, estas mesmas que nos aconchegaram para os protestos, AINDA E POR ENQUANTO democráticos, ficarão SEM SAÍDA.