“A advocacia não é profissão para covardes”. Sobral Pinto eternizou nesta sua frase o símbolo da luta dos advogados pela democracia contra a ditadura militar demonstrando que o advogado precisa ter, antes do conhecimento jurídico necessário, coragem para empunhar suas palavras e desenvolver seus atos em benefício da cidadania. A advocacia sempre foi vanguarda na defesa das liberdades.
Ainda que tenha que desafiar o sistema. Ainda que tenha que peitar a (in)justiça. Ainda que tenha que enfrentar os sicários. Ainda que tenha que bradar com valentia contra os ventos da incompreensão e do escárnio popular.
O advogado não pode e nem deve se acovardar. Nunca.
Infelizmente não é bem isso que acabo constatando nos dias atuais. A profissão se desvalorizou de tal forma que a humilhação acaba sendo um signo diário a nos acompanhar e a desanimar.
Vítimas de piadas infames e nem sempre engraçadas, de constantes burlas às prerrogativas profissionais, de tratamento indigno por alguns membros do Poder Judiciário, de menoscabo aos honorários advocatícios que precisam ser compreendidos como verba alimentar, da ausência de descanso digno e necessário, de exploração escorchante e cruel dos jovens colegas advogados que recebem muito menos que empregadas domésticas e não possuem nem garantias de horas extras etc. etc. etc., de dificuldades de acesso a cópias de autos, de desrespeito à lógica racional em audiências marcadas minuto a minuto nas varas do trabalho.
É, a coragem parece que anda escassa em desafiar tudo isso. E como!
E coitado daquele que tentar ousar a enfrentar os desafios!
O exemplo mais recente sobre nossa vexatória situação vem sendo dado através da constante falta de urbanidade e lhaneza com que temos sido tratados diuturnamente pelo atual presidente do STF. Tratados não, destratados. A sua mais nova pérola foi afirmar em recente sessão do CNJ que advogado não acordava antes das 11 horas da manhã, em menosprezo ao árduo trabalho que se dedicam os mais de 700 mil advogados país afora.
Como se fossemos lenientes e preguiçosos. Como se a letargia e a falta de gestão do judiciário fosse tudo culpa nossa. Como se o fato de escolhermos ser os cirineus da sociedade e os arautos da cidadania fossem os empecilhos para a justa justiça bruta, cega, lenta, cara e esquizofrênica.
Tinha muito orgulho e até incentivava meus queridos alunos a experimentar a advocacia como profissão digna e cidadã e me sentia orgulhoso ao participar das entregas das carteiras de novos advogados e os via sorridentes e cheios de esperança e sentimentos positivos; bem como feliz quando os recebia em meu escritório para tirar dúvidas sobre processos que a eles eram confiados ou mesmo ao vê-los atuando com a firmeza e a bravura juvenil nos fóruns da vida.
Hoje me preocupo mais do que me orgulho. Tenho escutado muitas lamentações. Tenho visto muitos jovens advogados fechando suas bancas e se atirando ao primeiro concurso de nível médio que lhes aparece pela frente garantindo-lhes o sustento digno.
E talvez não seja mais o incentivador como dantes. Talvez, não. Não sou. Não sei mentir. Não posso dizer que a advocacia é a profissão do futuro. Não é mais. Não está sendo nem a do presente.
E, infelizmente, não vejo boas perspectivas no horizonte. Ao revés, temos sido lenientes neste despertar. Não porque estamos acordando às onze horas da manhã, como pilheriou o eminente ministro-herói. Não. Ao contrário, continuamos na luta desde às sete da manhã e sem dia santo ou feriado. Talvez sejamos culpados pela falta de reação altiva, corajosa e necessária a todos os ataques sofridos pela profissão nos últimos anos.
Hoje estamos de joelhos e parece que sem coragem para se levantar e colocar o dedo em riste para exigir respeito e urbanidade, dignidade e igualdade, liberdade e oportunidade de sermos ouvidos, atendidos e minimamente tratados como parte desta engrenagem esquizofrênica chamada justiça.
Quem sabe, ainda, de joelhos possamos olhar para cima e com a humildade de sempre levantarmos a bandeira da advocacia novamente para dizer que aqui não comportamos e nem poderemos ser covardes. De qualquer espécie.
Mas aí fica a pergunta que Renato Russo já havia feito há tempos. "Quem roubou nossa coragem?"