Não tinha uma única alma vivente em Santo Antão de Curupira, cidadezinha pacata lá para as bandas do oco do mundo do estado do Piauí, que não o temesse. Seu nome: Francisco Alvarenga Cardoso Pontes Outeiro Gardão, Chico Chibata, a seu dispor. Sua fama de valentão e cabra macho já tinha ultrapassado as fronteiras até do Google, tinha seu nome gravado no Wikipedia, mesmo sem nunca ter acessado a internet; essa coisa do cabrunco como ele mesmo se referia.


Possuía imunidade pralamentar. Lamentar mesmo. A única vez que um delegado de polícia teve a ousadia de tentar prender Chico Chibata lamentou até o último suspiro de suas costelas quebradas e mandíbula esfacelada em seis partes. O pobre nunca mais soube o que era mastigar um bom prato de bode com queijo coalho de Dona Leleca, a melhor cozinha de toda a região. Chico Chibata o desmoralizou em praça pública, meio-dia em ponto que era para nenhum soldado mais duvidar de sua valentia e coragem. Tomou o revólver do delegado e mastigou as balas nos dentes, depois de surrá-lo com todos os requintes de crueldade que fariam corar terroristas do Hezbollah. Nem o juiz da cidade teve coragem de chamar Chico Chibata para saber o que tinha acontecido, afinal essas coisas de polícia era tarefa do delegado mesmo!


Apesar de sua valentia e cabramachice era um homem religioso. Não perdia uma missa, sabia os cânticos, comungava e se confessava todas as semanas. Acreditava que Deus saberia perdoá-lo, afinal nunca tinha dado pisa em cabra que não a merecesse. Por conta disso, era rato de confessionário, seu lugar preferido na paróquia do padre Zeca que, por segurança pessoal e precaução divina, sempre passava meia Ave-Maria e um quarto do Pai Nosso para Chico Chibata ser redimido de seus pecados. A surra do delegado nem foi preciso rezar, pois o padre ficou com tanto medo que ele pediu gentilmente e em tom e voz celestial que Chico Chibata simplesmente perdoasse o delegado pela tamanha ousadia de querer prender um homem de bem e que ele fizesse somente o sinal da cruz. Pronto! Pecado remido.


Chico Chibata era namorador. Respeitava, porém, as moças comprometidas da cidade. Tinha princípios e seus mandamentos morais não permitiriam que ele sequer olhasse para mulher alheia. Nunca! Nem sobre a mulher do prefeito que fogosamente o cumprimentava na feira da cidade toda vez que o avistava. Ao cumprimentá-la tirava o chapéu e beijava respeitosamente a mão da primeira dama, suficiente para fazê-la se derreter em pensamentos mundanos, eróticos e pecaminosos. Ela já tinha feito de tudo para ter uma noite, dia, tarde, manhã, meia hora de amor com o valentão. Mas qual o quê, Chico Chibata nunca quis saber de enfeitar os cornos de ninguém. Era valente e cabra-macho, mas nunca cabra safado para tamanho pecado de nosso Senhor. Era devoto de Santo Antônio e achava que casamento era coisa sagrada.

Não daria cabimento a sujar sua honra construída a muito sangue de homem frouxo e safado por conta de um rabo-de-saia já com dono e tudo. Ainda mais se o casório tivesse sido santificado pelo padre Zeca! Deus o livrasse de tamanho mal. Só de pensar se benzia dez vezes para afastar a maldição do Tinhoso, pois querer e desejar mulher com dono só podia ser coisa dele.


Chico Chibata era a valentia em pessoa, mas sabia ser galanteador. E não tinha pai de moça virgem (ou quase isso) que desafiasse Chico Chibata a casar depois que o mal estava feito. Desde que ela não tivesse compromisso o mulato ia chegando e devagarinho já se instalava no coração e nas carnes da moça (ou quase isso).


Quando se interessava pedia em namoro com pompa e circunstância ao pai dela, quando não, simplesmente mandava uma rosa roubada e escrevia em um português sofrível um bilhete agradecendo o ardente encontro de almas errantes. Se tivesse algum estudo, colocaria Vinícius de Moraes no bolso, mas com a lida na roça não teve tempo de frequentar os bancos escolares. Sabia ao menos encantar as iludidas que já teriam tido a sorte de se deitar com ele. Naquela cidadezinha pequena, quase todas as moças (ou quase isso) já teriam algum dia suspirado se encontrar sob os braços fortes e beiço carnudo do mulato valente.


Quem ele não escolhia tinha que se contentar com um casamento chinfrim com os outros rapazes da cidade que não tinham nem menos ousadia de perguntar se Chico Chibata já houvera apalpado aquelas carnes antes. Preferiam não saber, ou fingir que não sabiam.


Era época de São João quando a cidade toda se enfeitava para as festas juninas e tudo se transformava no pacato interior do oco do mundo do Piauí. Bandeirolas coloridas, fogueira em todas as casas, trios de forró disputavam por dias quem conseguiria tocar mais forró por mais tempo e em tons cada vez mais ensurdecedores. As quadrilhas passavam noites se apresentando pelas ruelas chamando a atenção de todos os moradores e dos visitantes que corriam para Santo Antão de Curupira em busca de aconchego e quem sabe um romancezinho sertanejo.


Chico Chibata descolava quando em vez algumas turistas, dava pisa em boyzinho metido a bacana e só para variar era o rei do forró pelas bandas da região. O mulato era o cranco para dançar e parecia não se cansar nunca. Quando parava, os que o conheciam, em respeito e com o temor reverencial da cabramachice dele, também paravam.


Foi em uma destas festas que ele acabou se apaixonando de forma alucinante. “Dora”, era tudo que ele sabia da fia da peste que tinha chegado à cidade para passar o reinado de Luiz Gonzaga. Foi daqueles amor à primeira, à segunda e a todas as vistas. O valentão perdeu a fala, o jeito e o ritmo quando viu Dora se requebrar com um cabra que a chamou para um giro de arrasta-pé sob o fundo musical “Numa sala de reboco” tocado pelo pai d’égua mais sem vergonha dos sanfoneiros da cidade: Tonho Piu-Piu que ao ver a desenvoltura da dançarina não poupou seu fole de sete baixo pra cima. (continua no próximo domingo)