Ontem, foi comemorado o dia da Consciência Negra, dedicado à reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira. Sabe-se que 20 de novembro foi escolhido por coincidir com o dia da morte de Zumbi dos Palmares, em 1695. Vale destacar que, entre historiadores sérios e competentes, há muitas controvérsias sobre quem realmente foi Zumbi dos Palmares, o qual para muitos apenas recusava a escravidão própria, mas não a alheia, chegando, inclusive, a possuir escravos.

Nesse sentido, mais do que acreditar em diferença de cores ou etnias, eu acredito em um ensinamento que pode ser depreendido dos primeiros filósofos: na ordem natural das coisas, a tendência “natural” é um homem querer subjugar o outro. A propósito, o branco também já foi subjugado por outros homens brancos, em vários episódios históricos, a exemplo da escravidão existente durante o império romano. Assim, a questão maior, a meu ver, para além de diferença de raça e de gênero, é como impedir a subjugação de um humano por outro.  E não vejo método mais eficaz, eficiente e efetivo em impedir que um ser humano subjugue o outro que aquele que leva à igualdade educacional – em termos de qualidade e quantidade – dos indivíduos.

Sim, eu sei que é uma utopia igualar educacionalmente – nos termos acima – os seres humanos. Mas, ao mesmo tempo, tenho plena convicção que a busca por tal igualdade é condição necessária para resolver todos os problemas de desigualdades – sociais, regionais, raciais, sexuais, dentre outras -  que tanto incomodam a muitos dos formuladores e executores de políticas públicas, assim como incomodam aos diversos líderes dos segmentos prejudicados. Consequentemente, acredito que tão ou mais importante que refletirmos sobre o negro, sobre a mulher, sobre o nordestino, sobre o homossexual, sobre o umbandista e assim por diante é refletir sobre as disparidades educacionais, em termos de qualidade e quantidade.

Em termos regionais, por exemplo, já está mais que comprovado – a literatura é muito extensa em relação a isso - que o grande problema de o Nordeste ser pobre em relação ao Sudeste é o fato de o Nordeste concentrar um menor número de pessoas qualificadas em relação ao Sudeste. De fato, se o cara é qualificado e consegue se manter ou trabalhar no Nordeste, descontando-se o diferencial de custo de vida e de amenidades, ele ganha exatamente o mesmo que ganharia no Sudeste. A disparidade regional ocorre porque o Sudeste consegue concentrar proporcionalmente muito mais indivíduos qualificados – que ganham mais que os não qualificados – que o Nordeste.

A questão de política regional é por que isso ocorre. Há controvérsias. Mas o fato é que o Nordeste continua tendo um nível educacional bem menor que o Sudeste, tanto em termos de quantidade (medido pelo número médio de anos de estudos) quanto em termos de qualidade (medido pelas notas das diversas provas nacionais atualmente aplicadas), de modo que, enquanto não se resolver isso, não se pode nem sonhar em resolver as disparidades regionais. Em outras palavras, o Nordeste tem proporcionalmente menos indivíduos qualificados e possui atualmente uma oferta (em termos de qualidade e quantidade) menor de educação. Esse raciocínio se reproduz na questão das disparidades raciais, sexuais etc.

Há também o fato de a preocupação não ser apenas com o nível da desigualdade per se, mas, sobretudo, com o fato de tal desigualdade se reproduzir, em termos médios, ao longo do tempo. A título de ilustração, na questão racial, segundo o IBGE, em sua publicação “Estatísticas Históricas do Brasil”, lançada em 1990, em 1819, 62% da população da província de Alagoas era constituída por escravos. No Brasil, nesse quesito, a província de Alagoas só era superada pela província do Maranhão, que era constituída por 67% de escravos. Obviamente, os escravos em sua imensa maioria eram os indivíduos com o menor nível de escolaridade – plenamente analfabetos – na estrutura da sociedade.

No caso particular de Alagoas, em 2010, segundo o Censo do IBGE, havia 2.082.972 pretos e pardos. Destes, 692.959 eram analfabetos, representando 22,2% da população residente no Estado de Alagoas. Assim, em quase duzentos anos, ainda que lento, houve algum avanço na escolaridade dos pretos e pardos, ou seja, os pretos e pardos analfabetos passaram de aproximadamente 62% da população alagoana, em 1819, para algo em torno de 22%, em 2010. Logo, se quiserem realmente resolver os problemas das disparidades raciais de Alagoas, antes de qualquer coisa, teriam de refletir e tentar entender porque em pleno Século XXI ainda existe 22,2% da população alagoana – constituída por pretos e pardos – que não é alfabetizada.

Deve-se mencionar também que, em 2010, existiam 284.624 brancos analfabetos residentes em Alagoas, constituindo 9,1% da população alagoana, os quais também certamente contribuíram para a baixa renda relativa de Alagoas. Enfim, somando-se todas as cores, tínhamos 993.604 analfabetos residentes em Alagoas, em 2010, que constituía aproximadamente 32% da população alagoana.  Com isso em mente, proponho, pois, o dia da Consciência Educacional, uma vez que tenho absoluta convicção que essa reflexão é tão ou mais importante do que a reflexão sobre ser preto, pardo, branco, amarelo ou indígena, assim como de ser mulher ou homem, nordestino ou sulista, homossexual ou heterossexual e assim por diante. Como diriam os Titãs, uma coisa de cada vez, tudo ao mesmo tempo agora...