Por Rodrigo Leite

Muita gente diz que o mal de nossa política é que “falta ideologia aos candidatos”. Políticos mudariam de partido com a mesma facilidade que o atacante Túlio trocaria de time de futebol. Há certo exagero. Em sua carreira, Túlio vestiu 32 camisas diferentes. Cícero Almeida, por exemplo, não atingiu ¼ desse número... mas a vida é longa. É bem verdade que a política brasileira – basta olhar para Alagoas – por vezes parece um caleidoscópio: as mesmas peças a cada movimento ocupando posições distintas. Há uma variação mínima de atores, alternando alianças e ódios desconcertantes para qualquer analista político. Falta de ideologia, diriam. Discordo. A ideologia está justamente aí.

É comum, tomando como padrão a doutrina clássica da democracia, que atores políticos se identifiquem num partido político. Esse partido possui um eixo básico de propostas. Não se imagina, por exemplo, um membro do Partido Conservador inglês defendendo o aborto. Mas a elite política brasileira é livre desses pudores.

Na cultura política brasileira os partidos políticos não traduzem ideologias. Descontando anões partidários que só administram grêmios estudantis, direita e esquerda, conservadorismo e progressismo não são bússolas confiáveis. A ideologia é manifestada diretamente na busca pelo poder. O partido político funciona, em geral, como uma burocracia intermediária entre os líderes políticos e o Estado. Lembrando Max Weber, um partido político serve para: 1) conquistar o poder; 2) manter o poder; 3) dividir o poder entre o séquito de apoiadores; 4) realizar, se possível, o programa do partido.

Quando da fundação do PSD, Kassab foi duramente criticado ao dizer que seu partido não era “nem de esquerda, nem de direita e nem de centro”. Injustiça com a franqueza de Kassab. Esse lema é uma genuína representação da ideologia que não escapam outras siglas partidárias bem mais badaladas; “Feio é perder” seria seu leitmotiv. Antônio Carlos Magalhães, numa frase que causaria brotoejas de inspiração em Renan Calheiros, dizia que se houvesse uma revolução comunista por aqui, seria ele, o maior líder de esquerda que já houve no Brasil.

Na época em que Severino Cavalcanti (aquele do mensalinho) então do Partido Progressista – PP, foi Presidente da Câmara dos Deputados, houve muito frisson em torno da lei de bioética, o uso medicinal de células-tronco era o cerne da discussão. A despeito da maioria da opinião pública, a bancada religiosa era contra o uso medicinal das células. Cavalcanti, pernambucano ligado aos setores mais obscurantistas do catolicismo nordestino, era declaradamente contrário ao uso das células-tronco. Mas na hora da votação mudou de lado. Simples assim, de uma hora para outra decidiu apoiar o uso de células-tronco. Perguntado por que mudou de lado, respondeu: Quem tem ideia fixa é doido.

A História quis que Severino fosse o protagonista do causo de 2005, mas caberia no seu papel diletante a maioria dos líderes de nossa democracia. O Serra que ataca o PT é o mesmo Serra que em 2010 se disse continuador da obra de Lula. Os petistas que demonizaram as privatizações são os mesmos petistas que privatizam, ou concedem, se assim soar mais vermelho. Muda-se de discurso, de sigla, de companhia, de número, mas não de ideia, de ideologia. A ideia de Túlio é o gol 1000. A ideologia de nossa elite política é amolda-se ao poder. Essa sim é a sua ideia fixa.


@_RodrigoLeite_ é cientista político.