Em um café de esquina um casal brinda com champanhe. Jovens com paetês caminham para uma festa. Turistas passam com sacolas de grifes. Outros se detêm diante da exclusiva Harrods, para ver a vitrine que celebra a Olimpíada. Isso só até a próxima esquina, onde mascarados exibem cartazes de apoio a Julian Assange, fundador do site WikiLeaks, que hoje completa 61 dias na embaixada do Equador. Para boa parte deles, o australiano é só um pretexto para protestar.
São 19 horas em Knightsbridge, um dos bairros mais nobres de Londres, um centro de compras, negócios e badalação que teve a rotina parcialmente alterado na quinta-feira, quando o Equador concedeu asilo a Assange. Com discursos contra a "opressão do Estado e da polícia britânica", os cortes dos benefícios sociais promovido pelo governo conservador, o aumento do preço da universidade e o "imperialismo das grandes potências", ativistas são uma lembrança das contradições da sociedade britânica, aprofundadas pela grave recessão econômica em que o país está mergulhado. E uma amostra dos desafios que o premiê David Cameron terá de enfrentar após o clima de festa que contaminou a Grã-Bretanha durante a Olimpíada.
"Não diria que somos simpatizantes de Assange, porque a maior parte das pessoas aqui está pouco ou nada interessada na figura dele em particular", disse Tom Charles, editor de uma revista de apoio ao movimento palestino e professor. De fato. São muitos os motivos elencados pelos manifestantes para justificar sua presença na frente da representação do Equador. Há os que apoiam a proposta do site por acreditar que ele expõe o segredo das grandes potências e "daqueles que estão no poder" - como Charles.
Muitos revoltaram-se com a ameaça do governo britânico de entrar na embaixada para capturar Assange - caso do aposentado Daniel Ahern, do historiador Farhan Rasheed e de um punhado de latino-americanos. Outros são anarquistas e estão ali porque são contra o governo conservador, o Estado, a polícia, o champanhe e os paetês. Mas o que todos compartilham é um grande descontentamento econômico e político ligado à crise e às medidas de austeridade adotadas por Cameron.
Para evitar o colapso das contas do Estado, nos últimos anos os cortes orçamentários foram drásticos na Grã-Bretanha, atingindo desde as isenções de impostos dos aposentados - uma medida que a imprensa local apelidou de "imposto da vovó" - até a folha de pagamento dos municípios. Bibliotecas públicas foram fechadas e os benefícios sociais para desempregados, mães solteiras, estudantes e até portadores de necessidades especiais foram reduzidos ou submetidos a regras mais rígidas.
Para Francisco Panizza, cientista político da London School of Economics, a decisão do governo de não conceder salvo-conduto a Assange para deixar o país e ameaçar entrar na embaixada do Equador para capturar o ativista foi em parte uma tentativa de criar uma "cortina de fumaça" para evitar a discussão sobre esse problema de fundo da crise, agora que a Olimpíada terminou. "Nesse tema de Assange, a maior parte dos britânicos ou apoia o governo ou é completamente indiferente a essa questão", disse Panizza. "O governo não tinha muito a perder ao ameaçar uma invasão da embaixada e, se tivesse sorte, ainda poderia usar a imagem de um ''inimigo externo'' para evitar o debate sobre questão econômica."
A Grã-Bretanha aprovou a extradição de Assange para a Suécia, onde ele morou no passado e é acusado de abuso sexual de duas funcionárias do WikiLeaks. O ativista diz que essa campanha para levá-lo aos tribunais tem motivação política e ele terminaria sendo extraditado para os EUA, onde poderia ser julgado por espionagem - crime punido até com a pena de morte.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.