Representado pela Defensoria Pública da União no caso do mensalão, a situação do argentino Carlos Alberto Quaglia, de 67 anos, chamou a atenção num julgamento dominado por réus escudados por grandes – e caros – escritórios de advocacia.
A maioria dos acusados queria, mas só ele conseguiu ter o processo desmembrado da ação no Supremo Tribunal Federal (STF) e agora responderá às acusações de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha na primeira instância da Justiça Federal em Santa Catarina, onde vive.
A Defensoria Pública não só obteve a decisão positiva para ele do STF, mas também o ajudou a conseguir um auxílio do governo para se manter após as acusações, quando sua vida mudou "radicalmente", segundo o próprio.
Desde o ano passado, ele recebe um salário mínimo por mês – R$ 622 – por meio do Benefício de Prestação Continuada (BPC). O auxílio é destinado a idosos ou deficientes com renda familiar per capita de um quarto de salário mínimo.
Antes empresário e dono de uma empresa de importação e exportação, Quaglia agora vive com o benefício que recebe e com a renda de traduções esporádicas que fez do espanhol para português de textos de filosofia e psicologia.
A empresa, Natimar, acusada de lavar e destinar dinheiro do valerioduto a parlamentares do PP, foi extinta em 2005, após a denúncia do mensalão. “Perdi a possibilidade de qualquer tipo de funcionamento como trading de exportação e importação”, contou.
Quaglia diz que pelo fato de ser argentino, encontrou dificuldade para conseguir o benefício da Previdência Social. Foram dois anos de espera. "Solicitei ao INSS e ele negou porque eu não era naturalizado. É um flagrante desrespeito ao artigo 5º da Constituição. (...) Tenho mais de 30 anos de residência legal [no Brasil] e dois filhos brasileiros. Por isso, decidi entrar na Justiça e, como não podia arcar com um advogado, fui à Defensoria Pública".
Sofrimento
Enquanto aguardava o desfecho do processo junto ao STF e ao INSS, o argentino se dedicou ainda mais à psicologia, profissão em que se formou quando ainda morava em Buenos Aires.
"A linha que estudo trata basicamente da superação do sofrimento mental. A gente não trabalha com ratos nem com cobaias, mas com nós mesmos, com a auto-observação permanente. De onde surgiria meu sofrimento por causa desse mensalão? De minha própria mente, de meus devaneios, pensamentos. (...) O sofrimento é mental, não é físico", analisa.
Aliviado com a decisão do Supremo, o argentino agora acredita que será inocentado. "Tenho certeza, não há absolutamente nenhuma prova contra mim. Vai ser diferente ser julgado simplesmente pela Justiça sem o tingimento que teve todo esse megaprocesso político."
Quaglia diz que mandou um e-mail para a Defensoria Pública da União agradecendo o trabalho e pedindo informações sobre o processo a que responderá individualmente em Santa Catarina. A ação será retomada a partir do depoimento de testemunhas de defesa e acusação.
Agora, ele só pretende seguir as notícias do mensalão por "curiosidade". "O mensalão para mim desapareceu", afirma.