Autor da denúncia do mensalão, o ex-procurador-geral Antonio Fernando de Souza afirmou em entrevista ao G1 que seria um "ato político" propor ação penal contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como reivindicou durante o julgamento no Supremo Tribunal Federal a defesa do presidente do PTB e ex-deputado Roberto Jefferson.
Ele rebateu a acusação do advogado de Jefferson, de que o Ministério Público Federal foi “omisso” ao não incluir Lula como réu no processo (veja trechos da entrevista no vídeo acima).
“Se eu desejava fazer uma denúncia consistente e não uma denúncia de natureza política, não um ato político, evidentemente que só poderia fazer imputações a pessoas citadas naquele episódio. Não havia indício contra o ex-presidente Lula”, afirmou o ex-procurador-geral.
Na sustentação oral perante o Supremo Tribunal Federal, o advogado Luiz Francisco Barbosa, que representa Roberto Jefferson, afirmou que o ex-presidente foi o “mandante" do esquema em que parlamentares da base aliada recebiam dinheiro em troca do apoio nas votações de projetos de interesse do governo.
Indagado sobre a ausência de Lula no processo, o atual procurador-geral, Roberto Gurgel, disse que a decisão de denunciar o ex-presidente coube a Antonio Fernando de Souza.
Na entrevista ao G1, o ex-procurador-geral afirmou que não poderia “inventar” provas contra o ex-presidente e destacou que toda a peça acusatória do mensalão traz laudos, perícias e testemunhos contra cada um dos 38 réus.
“A denúncia está lastreada naquelas pessoas que realmente atuaram nesse episódio. Não havia provas, eu não podia inventar. Aquele não é um processo político, é um processo judicial. O Ministério Público tem responsabilidade não somente de afirmar, mas também de provar.”
Hoje advogado, Antonio Fernando de Souza afirmou que tem assistido a trechos do julgamento nos momentos em que não está trabalhando.
Ele defendeu a metodologia adotada pelo relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, de apresentar voto “fatiado”, de acordo com os itens da denúncia. A metodologia do julgamento provocou uma discussão entre o ministro-revisor, Ricardo Lewandowsky, e Joaquim Barbosa.
“Essa metodologia que foi escolhida ontem é a que foi adotada no recebimento da denúncia. Me parece até razoável que o tribunal adote o mesmo critério que adotou no recebimento, por grupos de pessoas e fatos. Essa metodologia não fere o devido processo legal”, disse o ex-procurador-geral.
Antonio Fernando de Souza também criticou a “agressividade” e falta de “ética” dos advogados dos réus nas sustentações orais. Os advogados chegaram a chamar Roberto Gurgel de “mesquinho”, “desleal” e “omisso”. Para o ex-procurador-geral, a defesa dos réus demonstrou ainda “desfaçatez” ao dizer que só houve crime de caixa dois de campanha.
Veja os principais trechos da entrevista:
Lula
“Em toda a denúncia, se teve o cuidado de que cada imputação a cada uma das pessoas fosse firmada em provas existentes nos autos. Sempre que há referência a um fato, há um pé de página com documento, um laudo específico, laudo e testemunhos. Não havia, durante o período em que eu era procurador-geral, nenhum depoimento que atestasse participação de Lula no esquema. E mesmo o depoimento do Roberto Jefferson era no sentido contrário. Não tínhamos nenhum depoimento contando a participação do presidente Lula no episódio."
"Se eu desejava fazer uma denúncia consistente e não uma denúncia de natureza política, não um ato político, evidentemente que só poderia fazer imputações a pessoas citadas naquele episódio. Não havia indício contra o ex-presidente Lula. Eu vi o advogado do Roberto Jefferson, e ele deve ter falado em nome próprio ao afirmar que Lula é o mandatário do mensalão porque o próprio Jefferson nunca disse isso. A denúncia não se faz pelo que a gente pensa que a pessoa pode ter feito ou não. A gente só pode fazer a denúncia constatando que há elementos que me permitem confirmar que o que eu estou afirmando é verdadeiro."
Advogados dos réus
“Era esperado que eles realmente procurassem defender seus clientes, mas de maneira respeitosa. As defesas veementes não são reprováveis, o que é reprovável é que fujam à ética profissional e descambem para os ataques pessoais."
"Na verdade foram feitas muitas afirmativas que não correspondem ao que está nos autos. Não é uma avaliação correta das provas que estão nos autos. Acho que houve muita agressividade e essa agressividade, essa defesa mais agressiva, só não pode desbordar para além do comportamento ético que se exige de qualquer profissional que atue no Direito, perante um tribunal."
Provas
“Eu vejo, e não posso falar como Ministério Público, mas como cidadão que participou em parte desse processo, que as provas são muito consistentes. As provas que tinham sido apresentadas e que foram depois reforçadas durante a instrução são consistentes, de tal sorte que só os discursos não são suficientes para afastar o que está dito e, evidentemente, que os juízes são experientes e vão pautar seus atos pelas provas que estão nos autos.”
Caixa 2
“Sempre que tem um processo penal que envolve políticos essa alegação é recorrente. É até com certa desfaçatez que se faz essa alegação, porque reconhecem que cometeram um crime, mas um crime que a essa altura estaria prescrito. O problema é que as imputações feitas naquela ação penal são imputações de corrupção passiva, corrupção ativa, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, evasão de divisas e que a finalidade [se o dinheiro é para caixa 2 ou não] não é importante.”
Joaquim Barbosa e advogados
[O relator do processo, Joaquim Barbosa, se sentiu ofendido e sugeriu uma representação contra quatro advogados que pediam o afastamento dele da relatoria].
"Esse procedimento de encaminhar para a Ordem dos Advogados é um procedimento rotineiro. Eu não tenho conhecimento do conteúdo exato do que foi aprovado , mas o Supremo deliberou a respeito e está decidido."
Voto do relator
“A certeza de que eu tenho é de que além de tudo aquilo que o Ministério Público falou nas alegações finais ele [o ministro-relator, Joaquim Barbosa] agregou muito mais provas. Ele se reportou a provas outras que reforçam tudo aquilo que o Ministério Público havia dito. O voto está muito bem fundamentado.”
Metodologia dos voto dos ministros
[Uma discordância entre o ministro-relator, Joaquim Barbosa, e o ministro-revisor, Ricardo Lewandowski, sobre o a forma de apresentação dos votos dos ministros chegou a levar o julgamento a um impasse. Mas depois Lewandowski aceitou adotar a metodologia de Barbosa.]
“Muitas vezes não existe um caminho único, uma forma única para desenrolar os votos. Todas com vantagens e desvantagens. Essa metodologia que foi escolhida a que foi adotada no recebimento da denúncia. Me parece até razoável que o tribunal adote o mesmo critério que adotou no recebimento, por grupos de pessoas e fatos. Essa metodologia não fere o devido processo legal [conforme alegado pelo ministro Ricardo Lewandowsky]. Se existe um processo em que todos tiveram a máxima oportunidade de fazer sua defesa, foi esse.”
Expectativa sobre o resultado
“São 11 magistrados, todos com a responsabilidade de magistrados da Corte Suprema e a expectativa é de que todos profiram voto. O ponto de vista do Ministério Público é de que tem elementos [para condenar os réus], mas a avaliação desses elementos também depende da subjetividade de cada julgador. A expectativa é de que a peça acusatória seja acolhida, mas cada julgador dará a sua interpretação àqueles fatos.”
Réu excluído do processo no STF
[Por unanimidade, o STF decidiu anular parte do processo do mensalão referente ao réu Carlos Alberto Quaglia, acusado pelo Ministério Público de lavagem de dinhero. Os ministros entenderam que houve ouve cerceamento ao direito de defesa do réu, cujos advogados deixaram de ser intimados por mais de três anos.]
“O Ministério Público sustentou que não teria havido aquela falta. Mas o Supremo decidiu que faltou a intimação, ele foi excluído, vai ser julgado em separado, prossegue o resto.”