A burocracia e a lentidão da Justiça travaram os planos do office-boy Ronaldo dos Santos de comprar uma casa nova, após perder o imóvel e os parentes na tragédia provocada pela chuva no Morro do Bumba, em Niterói, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
Na última semana, ele foi beneficiado pela sentença que condenou o município a indenizá-lo em 500 salários mínimos, cerca de R$ 311 mil, por danos morais. Apesar da decisão favorável na primeira instância, Ronaldo acredita que só terá o dinheiro em mãos daqui a 15 anos.
A decisão do juiz Alberto Republicano de Macedo Júnior, do dia 8 de agosto, cabe recurso. A Prefeitura de Niterói adiantou ao G1 que vai entrar com recurso para reformar a sentença.
“Vou ficar mais feliz quando o dinheiro estiver na minha conta, para que eu possa comprar pelo menos um teto. É o meu sonho, desde quando aconteceu tudo. Eu acho que [a Justiça] tinha que ser mais rápida nesses casos de muita relevância. Todos viram que eu não estou mentindo ou contando histórias, tudo o que aconteceu foi muito triste", disse Ronaldo.
O office-boy acrescenta ainda que o pedido inicial de indenização era no valor de R$ 500 mil. No entanto, ele diz que dinheiro algum supre a falta da mãe e dos quatro sobrinhos, todos mortos na tragédia. "Poderia ser uma indenização de até R$ 100 milhões, nenhum valor repara os danos causados a mim. Mas, admito que o valor é uma quantia significativa e que vai me ajudar bastante”, avaliou Ronaldo.
Decisão inédita, diz advogado
Na tragédia ocorrida em abril de 2010, morreram mais de 40 pessoas. No deslizamento do Morro do Bumba, Ronaldo conseguiu salvar a irmã e a filha Laura Beatriz, na época com 8 anos. No dia seguinte à tragédia, a menina emocionou o país com seu relato ao Jornal Nacional.
"Eu lembro que o banheiro foi o primeiro a cair. O banheiro partiu no meio e caiu. Quando eu pisquei o olho, não conseguia sair do lugar. Só via aquelas coisas caírem em cima de mim. O barro levou tudinho e me levou na direção, acho que bati com a cabeça no muro. Não doeu nada, eu não sei o que foi isso. Meu pai chorou muito no meu colo, falou: 'Laurinha, fica bem, pelo amor de Deus'. Deus me ajudou com muitas coisas. Agora vou viver minha vida, tenho muitas coisas para viver", contou a menina na ocasião.
O advogado do morador, Alexandre Calmon, diz que esta é a primeira decisão da Justiça favorável a uma vítima da catástrofe no Bumba. Ele explica que o caso abre precedentes para outros julgamentos. No entanto, Calmon admite que o pagamento pode levar até 20 anos para sair devido à quantidade de recursos e brechas da lei.
“A expectativa para receber, tendo em vista a morosidade processual, é entre 5 e 20 anos. Ainda cabe uma série de recursos, o município sempre entra com recurso, esse é o trabalho do procurador. E depois que houver o transitado em julgado da questão, ainda vai para os precatórios, que é uma fila imensa onde o município vai pagar alguém”, explica o advogado.
Ao tomar conhecimento que o Bumba era um antigo lixão, Ronaldo resolveu processar o município de Niterói por omissão. Na ação, ele alegou que as autoridades competentes sabiam que o local era uma área de risco, porém, em momento algum, providenciaram a retirada dos moradores ou realizaram obras de proteção necessárias à segurança das famílias.
Após a decisão, Ronaldo ganhou fama instantânea nos becos e na pracinha do que restou do Morro do Bumba. Por onde passa, o rapaz é parado pelos antigos vizinhos, que não se acanham em pedir um dinheirinho, seja para comprar uma moto nova, ou para fazer um churrasco no fim de semana.
“Agora, os vizinhos me param, buzinam para mim. Todo mundo quer dinheiro emprestado, acabei virando celebridade, mas sei que essa fama é efêmera. Já falei para todos que ainda não recebi nada e continuo sofrendo para pagar as contas no fim do mês”, ri Ronaldo, que mora numa casa alugada nas proximidades do Bumba, junto com a esposa e o filho Miguel, de 10 meses.
Sonho da casa própria
Ronaldo conta que ganha cerca de R$ 850 por mês. Para conseguir juntar o valor que ganhou de indenização, ele levaria mais de 30 anos.
“Nem em sonho eu compro uma casa com o que eu ganho. Tenho que escolher entre comprar uma casa e sobreviver. A casa onde eu morava com a minha família era própria. O meu pai construiu ao longo de anos e com a ajuda de toda família”, desabafou Ronaldo, que ainda conta com o benefício de R$ 400 do programa Aluguel Social.
Em julho de 2010, a prima de Ronaldo, a vendedora Ana Paula ganhou R$ 100 mil ao comprar o bilhete premiado do Rio de Prêmios. Também moradora do Bumba, a jovem teve a casa interditada pela prefeitura de Niterói. Com o dinheiro da loteria, ela comprou uma casa para a mãe e os filhos.
“Espero que a Justiça, a prefeitura, as autoridades tenham piedade e ajudem as pessoas. Alguns conseguiram apartamentos nos prédios construídos para as vítimas da chuva, mas ainda conheço muita gente que mora com parentes ou de favor na casa dos outros. É muito difícil reconstruir a vida após perder tudo o que se tinha, principalmente as pessoas queridas”, lamenta Ronaldo.