Em 1991, o Skank era uma banda em começo de carreira. O quarteto trajava roupas de times de futebol e ainda estava em busca dos sucessos que vieram nos anos seguintes. "Skank 91", recém-lançado disco de raridades com registros ao vivo e em estúdio, expõe uma banda com repertório em formação: a presença maciça de covers comprova isso.
Em entrevista ao G1, Samuel Rosa relembra o visual "mulambo" do grupo, diz que desistiu de escrever letras ("era muito esforço") e compara a cena pop roqueira do Brasil de hoje com a dos anos 90.
"Antigamente, as bandas eram mais determinadas. Faziam música para as massas. Hoje, de repente, os caras estão resignados. Não têm a intenção de fazer uma música para a minha mãe cantar", opina o vocalista e guitarrista. "Todo mundo já correu atrás de uma gravadora com uma fitinha debaixo do braço. Do Nirvana ao Pink Floyd, todos quiseram ter um hit na rádio." Veja os principais trechos da entrevista:
G1 - O show no Aeroanta [com registro incluído em 'Skank 91'] teve 37 pessoas. É o menor público do Skank?
Samuel Rosa - Não sei se foi o menor, mas deve ter sido. Não tinha como ter sido muito diferente. Éramos anônimos. Era uma data herdada do Pouso Alto [banda que deu origem ao Skank], em uma casa de grandes tradições do underground, uma espécie de Circo Voador de São Paulo. Até que o show fosse feito a banda acabou, Dinho e Alexandre [ex-Pouso Alto] mudaram de cidade. Eu e Henrique [Portugal, tecladista] tocamos o barco, continuamos com o projeto. Convidamos Lelo [baixista] e Haroldo [baterista] para continuar a química de dancehall com coisas brasileiras, bateria eletrônica. O Skank estreou em noite de gala.
G1 - Foi esse o show que fez a banda mudar de patamar?
Samuel Rosa - O show é simbólico. Acreditávamos no mito que tinha em Belo Horizonte que banda para fazer sucesso precisava estourar primeiro em São Paulo. Inexplicavelmente, acontecemos primeiro em Belo Horizonte. Começamos a ser uma espécie de fenômeno local. Estimulados por isso fizemos um disco.
G1 - Você assina sozinho quatro músicas do 'Skank 91'. Depois passou a não compor sozinho, teve apoio de letristas. Por que aconteceu isso?
Samuel Rosa - As músicas que fiz sozinho e estão no "91" acabaram tomando bomba e não entraram no primeiro disco. [risos] Eu me senti desestimulado. Até hoje acho que não tenho a mesma fluência para fazer letra, como tenho para músicas. Eu precisava de muito esforço para escrever. Quando você tem uma vocação, flui naturalmente. Então, é inegável que para sentar e fazer uma melodia tenho mais facilidade. Duas ou três dessas poderiam estar em discos. As letras não são maravilhosas, mas não iriam comprometer. Mas a parceria com o Chico [Amaral, letrista] deu certo. Tudo em nome da maior qualidade para a banda.
G1 - Qual show foi o mais importante no começo do Skank?
Samuel Rosa - Começamos a tocar em cidades pequenas no interior de Minas. Depois, a gente acabou fazendo um show no Hollywood Rock [festival em 1994]. Éramos semianônimos. Mostramos que a banda tinha uma "canchazinha". Mas a gente não tinha nenhum grande hit ainda. Aquele show trouxe uma autoconfiança maior.
G1 - No começo, vocês usavam camisas de futebol. Como isso foi importante para a banda e por que decidiram ter aquele figurino?
Samuel Rosa - Queríamos deixar claro que não éramos uma banda dos anos 80. Não queríamos parecer de outra geração, queríamos ser da geração 90. Para isso, a gente ia negando características típicas, como nome composto (Titãs do Iê iê iê, Paralamas do Sucesso, Kid Abelha e os Abóboras Selvagens). A primeira coisa foi escolher um nome só. Era o nosso tratado estético. Queríamos ser bem esculachados no palco e quebrar uma atmosfera blasé dos anos 80. A gente era "mulambo" de Belo Horizonte. Tudo o que a gente não queria era ser poser, muito inglês, Echo and the Bunnymen e tal.
G1 - Muitas bandas continuam na ativa, mas na maioria das vezes mudam a formação. Como fazem para manter os quatro integrantes por mais de 20 anos?
Samuel Rosa - Não é simples. Algumas bandas contemporâneas não existem mais, vocalista se desentende com baterista. É difícil alinhar as cabeças durante tanto tempo. O cara começa a querer ter vida própria. Para a banda continuar, temos que dar vazão a outras coisas. Por exemplo, o "Skank 91" foi capitaneado pelo Fernando [Furtado, empresário] e Haroldo. Eu não participei muito. O Skank é flexível. Eu não vou escapar de dizer: ter sido bem sucedido torna tudo mais fácil.
G1 - Quando gravará com o Lô Borges?
Samuel Rosa - Retomamos o projeto no ano passado. A gente vinha tocando com certa regularidade desde 1999. Após a morte do Mário Castelo [músico mineiro], um entusiasta do projeto... Fiquei meio baqueado. No ano passado, a gente fez vários shows e retomou. Fizemos Inhotim, Palacio das Artes [BH], Ipatinga... Ficamos aninamos em dar sequência, mas sem deixar escapar a chance de gravar. No ano que vem, vamos registrar. É só escolher o lugar e registrar o show.
G1 - Por que o pop rock perdeu tanto espaço para outros gêneros?
Samuel Rosa - Eu fico tentando lembrar qual foi a última música de uma banda nova do segmento que tenha feito o Brasil cantar. Por que será que isso parou de acontecer? A partir dos anos 90, grupos apareceram com popularidade de razoável abrangência, mas não fizeram músicas que pudessem transcender o segmento. A partir do sucesso, o flanelinha, o profissional liberal, o Brasil inteiro cantava aquilo. Isso parou de acontecer. Hoje, poucos artistas de rock enchem estádios. E quando enchem são da velha guarda: Bruce Springsteen, Madonna, Bob Dylan, Paul McCartney... Qual artista da nova geração consegue encher um estádio? Só lembro do Coldplay, que é dos anos 90. Sinto que as bandas novas não dão muita bola, não querem muito.
G1 - As bandas novas brasileiras têm medo de fazer sucesso?
Samuel Rosa - Eu acho que sim. Quando você quer alguma coisa, você enfrenta o medo, né? Se alguém jogar sua mãe em uma piscina gelada, você vai pular... Não vai ficar pensando se a água está fria ou quente. Não tem que ficar preocupado, pensando que o sucesso vai incomodar. Tem que querer ver que gosto tem. Eu não consigo entender. Eu não sei se eles ouviram demais o modelo preconizado por grandes figuras da música popular. Eles tratam a trajetória de êxito de forma meio blasé: "o sucesso caiu no meu colo, eu sou tão talentoso que acabei fazendo sucesso." É uma balela. Todo mundo já correu atrás de uma gravadora com uma fitinha debaixo do braço. Do Nirvana ao Pink Floyd, todos quiseram ter um hit na rádio. Antigamente, as bandas eram mais determinadas. Faziam música para as massas. De repente, os caras estão resignados. Não têm a intenção de fazer uma música para a minha mãe cantar. Não acredito que quando o Kurt Cobain fez um dó maior no violão, já tinha um dirigente de gravadora com o contrato para ele assinar.