Recentemente postei uma frase no Twitter que foi mal recebida por muitos. Disse algo mais ou menos assim: “É engraçado esse negócio de idealismo. Sabe quem foi um grande idealista? Hitler”.
Isso gerou uma celeuma danada... Bom, na verdade, o Twitter às vezes proporciona isso, pois só permite frases curtas, impedindo uma explicação mais detalhada do que se quis dizer. Não quis dizer que não devemos ter ideais ou coisa do tipo. Quis apenas dizer que sou cético quanto ao idealismo moral em si. O que me incomoda é pensar que o simples fato de ser um idealista legitima qualquer ideia ou qualquer princípio.
Normalmente, o idealismo é apresentado como o oposto do pragmatismo. Assim, alguém é idealista se coloca seus princípios e suas ideias acima de contextos ou de necessidades pragmáticas mais imediatas. No extremo, um idealista não cede seus princípios em favor de uma composição ou acordo. Isso normalmente é visto como algo virtuoso. De certa forma, é mesmo. O problema é quando certos aspectos dessa questão não são considerados.
Vejam que não estou usando o idealismo num sentido platônico ou epistemológico. Estou usando a expressão “idealismo” do ponto de vista moral.
Há dois problemas com essa visão. A primeira é muito simples. Ser um idealista, por si só, não quer dizer ter bons propósitos. Foi isso que eu quis dizer quando escrevi a frase acima. Se Jesus era um idealista, Hitler também era. (Parafraseando João Maurício Adeodato, em sua obra Ética e Retórica). Assim, canalhas da pior espécie também podem ter ideais. Podem sonhar com suas sociedades perfeitas...
Isso significa que o importante não é ser ou não idealista. O importante é qual ideia você defende. Todas as utopias já escritas representam esse idealismo moral que quero denunciar. Quer viver numa República platônica? Quer viver na utopia de Thomas Morus? Quer morar na Cidade do Sol de Campanella? Vá sozinho... Por isso as utopias são todas totalitárias. Não deixam espaço para o indivíduo e suas idiossincrasias. Sendo assim, para o idealista, não há espaço para a discordância.
E esse é outro problema com o idealismo. Podemos concordar sobre os princípios, mas discordar sobre os meios de alcançá-lo. Sendo assim, eis a questão. Podemos, para promover avanços na direção da realização de nossos princípios, fazer acordo com quem discorda de nós? Como mudar um paradigma se, enquanto tentamos muda-lo, ainda estamos nele? Revolução ou reforma?
O rompimento é sempre melhor do que o acordo? Num mundo tão complexo, podemos nos negar a rever nossos valores ou mesmo a abrir mão de certas exigências para conseguir um avanço? Percebam, amigos, que meu ceticismo se refere a discursos abstratos e que defendem uma suposta superioridade do essencialista diante daquele de quem discorda.
Nunca esqueçam que os maiores crimes da humanidade foram cometidos por idealistas. Gente que não abria mão de suas crenças, nem quando tivesse que matar para conseguir a sociedade dos seus sonhos. Essa é a razão da minha desconfiança com o idealismo moral.
Evidentemente, ser coerente com seus princípios é realmente algo bem interessante. Ocorre que princípios também precisam ser interpretados. Princípios também precisam ser exequíveis e, mais que tudo, princípios precisam ser compartilhados!
Quando o idealista começa a tratar sua interpretação dos princípios como a única possível ou quando ele passa a tratar toda discordância como falsidade ou mentira, aí estamos diante de um problema: a intolerância. É o outro lado da mesma moeda.
Grandes avanços sociais foram conseguidos por meio da revolução e da violência radical? Sim, foram. Porém, muito se conseguiu sem violência. Foi quando renunciou à violência que Mandela conseguiu unir a África do Sul. Foi quando renunciou à violência que o movimento pelos direitos civis conseguiu a igualdade racial nos EUA.
Nem sempre a revolução é necessária. Às vezes a reforma é o caminho mais pragmático para levar aos nossos melhores ideais.